Profissionais de tecnologia da informação estão cada vez mais satisfeitos com a profissão, mesmo após jornadas de 12 horas por dia. A própria tecnologia é o motivo da alta satisfação.
Nada mais propício após enfrentar a típica neblina das serras brasileiras e um trânsito considerável de quase quatro horas - para um percurso que levaria no máximo uma hora em condições normais -, que parar no caminho em um charmoso café, com direito a observar os rios e uma bela cachoeira em meio às montanhas, ligar o laptop com cartão Wi-Fi e aproveitar o hotspot para checar e-mails. Loucura? Para Décio Tomaz Aquino de Oliveira, qualquer cenário, mesmo um tão paradisíaco como o descrito, é ideal para estar conectado à empresa.
Superintendente de informática da MRS Logística, Oliveira tem o hábito de aproveitar ao máximo suas folgas e fins de semana, viajando sempre que possível. Mas jamais perde a chance de ficar "plugado" ao mundo. Tanta dedicação pode até soar estranho àqueles que, mesmo satisfeitos, abominam ouvir a palavra "trabalho" quando estão fora do habitat profissional.
O surpreendente - ou não - é que esse é um hábito comum entre os profissionais da área de tecnologia. David Brito, diretor geral da Quality Software, conta que há alguns anos, em plena estrada, mais especificamente entre as rodovias BR 101 e 116, que interligam Salvador ao resto do País, só conseguia pensar em achar um local com acesso à internet. "Parei em inúmeros postos de gasolina para tentar verificar e enviar e-mails", lembra. Detalhe: Britto estava em férias, com sua esposa e os dois filhos. "Minha família já está acostumada", garante o executivo.
Não só a família de Brito, aliás. Um estudo realizado nos EUA pela Rasmussen Reports para a consultoria especializada em capital humano Hudson avaliou a satisfação dos profissionais de TI, saúde, indústria, finanças e outros serviços. Foram entrevistados ao todo nove mil profissionais.
E o resultado foi que mesmo com a carga horária de trabalho bem acima das tradicionais oito horas, um grau de estresse altíssimo e a necessidade de estar sempre alerta às novas tendências, os profissionais de TI são mais felizes que os outros. Pelo menos, essa foi a resposta de 77% dos entrevistados que atuam na área de tecnologia.
O dia de trabalho do diretor comercial da HP, Maurício Ghigonetto, começa rigorosamente às sete horas da manhã. Entre um cafezinho, pão quente, manteiga, queijo, geléia e afins, o executivo sempre arruma espaço para abrir seu laptop e começar a buscar informações estratégicas e verificar e-mails. "O período da manhã é ideal para ficar conectado remotamente", conta. O mesmo vale para o período noturno, depois das oito da noite, quando Ghigonetto chega em casa do trabalho.
Vício tecnológico
O que move esses profissionais a não se desligar nunca da empresa? "Eu preciso disso", confessa Oliveira, da MRS Logística. O executivo não titubeia quando questionado se existe uma relação íntima entre trabalho e prazer. "Lógico que sim! Fico satisfeito em saber que sou uma das peças fundamentais para a empresa crescer. O fato de estar participando deste processo de construção, de estar no meio de uma engrenagem, cujo funcionamento é essencial para que tudo possa rodar, é muito gratificante", declara.
O psicólogo norte-americano Larry Rosen, que há mais de 20 anos pesquisa os efeitos dos avanços tecnológicos e criou a teoria sobre a Tecnose - o vício da tecnologia, explica em um de seus artigos publicados no jornal The National Psychologist, que a tecnologia é fascinante demais. E as pessoas que não conseguem imaginar a vida sem esse encantamento chegam ao ponto de não saberem relaxar, sair de férias ou simplesmente tirar uma folga.
Prova de que a tecnose é sinal dos tempos, é que a maioria das aplicações atualmente disponíveis no mercado era inimaginável até há alguns anos. O celular, por exemplo, tornou-se muito mais que um meio de comunicação. "Não posso ficar longe do meu celular. Nunca", assume Britto, da Quality Software.
O aparelho é considerado pelos três executivos uma fundamental ferramenta de trabalho, que obrigatoriamente tem de estar 24 horas ligado. Detalhe: se for acionado de madrugada, isso não será considerado uma invasão de privacidade ou um estorvo. Trata-se apenas de mais uma emergência que tem de ser resolvida.
Brito, Ghigonetto e Oliveira são três exemplos de executivos que trouxeram para suas vidas o conceito 24 por 7, a tal missão crítica corporativa. De certa maneira, a empresa depende dessa disponibilidade tecnológica em tempo real. O problema é que adotar tal postura para a vida profissional pode se tornar perigoso.
De acordo com o pai da Tecnose, o principal motivo do vício é porque as pessoas não aprenderam a dizer "chega" à parafernália tecnológica. Essa ausência de controle cria a ilusão de que os seres humanos são capazes de fazer diversas funções ao mesmo tempo, como os computadores.
Só que o cérebro, explica Rosen, não suporta as constantes situações-limite a que é exposto e não demora muito para sentir os efeitos do "tecnostress". Um deles é bastante comum na vida de Oliveira, da MRS Logística: acordar de madrugada com uma idéia ou solução de um problema. "No mínimo, uma vez por semana acordo por algum motivo profissional. E aí, não paro mais. Começo a disparar e-mails para que aquela idéia ou solução seja realizada", conta o workaholic confesso.
O executivo, de forma inconsciente, segue rigorosamente a sugestão do psicólogo norte-americano, que explica que durante os períodos de descanso o cérebro ganha tempo para processar todas as informações. É por isso que é comum a pessoa acordar no meio da madrugada com a resposta para aquela pergunta que tanto a incomodou durante o dia.
Britto, da Quality Software, garante que nunca chegou a interromper o sono por motivos profissionais. Mas também admite que pelo menos duas vezes por ano se desliga totalmente do trabalho. "Preciso ficar 100% fora do ar por pelo menos uma semana", revela.
Esta pausa adotada pelo executivo é um dos hábitos de Guigonetto, que em cinco anos de HP aprendeu a dizer não às solicitações emergenciais e, com isso, conseguiu se satisfazer mais e oferecer um trabalho ainda mais eficiente e produtivo à corporação. "O desgaste de um profissional que precisa preparar uma proposta, que foi solicitada às cinco da tarde para ser entregue na manhã do dia posterior, por exemplo, é tão grande que jamais reverterá em um resultado positivo", acredita o diretor comercial da HP.
"Comecei a questionar as urgências das tarefas e percebi que muitas atividades executadas às 10 horas da noite poderiam ser feitas sem nenhum problema pela manhã do dia seguinte", acrescenta o executivo. Ghigonetto garante ter entendido que a ansiedade de ver as coisas resolvidas antes do tempo compromete muito o relacionamento familiar, além do seu próprio bem-estar. Por isso, resolveu adotar um senso de urgência e qualidade para controlar suas atividades profissionais, o que lhe permitiu inclusive assumir a tarefa de buscar a filha na escola.
Rosen, o psicólogo norte-americano, reconhece que os limites entre o trabalho e lazer não estão muito claros por culpa da tecnologia que cerca a todos. Para ele, viajar com laptops e celulares está cada vez mais comum para qualquer pessoa. Que o digam os de TI.
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