especial para o "Le Monde" [Disponível também no francês original.]
Não é necessário responder às críticas de Jacques Derrida sobre nosso livro _"Imposturas Intelectuais"_, pois ele de modo algum as formula em seu artigo. Ele se contenta em nos lançar ao rosto expressões pejorativas _ "oportunidade de uma reflexão séria desperdiçada", "não são sérios", "cavaleiros mal-treinados", "censores"_, sem apontar um único erro em nosso livro ou criticar uma única de nossas análises. Aliás, desde a publicação do livro, assistimos à repetição do mesmo cenário: nossos detratores não formulam nenhuma crítica concreta; eles admitem implicitamente que aquilo que dizemos é verdadeiro, mas explicam que, por várias razões, não fica bem dizê-lo.
Uma vez que Jacques Derrida consagra a maior parte de seu artigo a defender-se contra um ataque que, de nossa parte, inexiste, talvez valha a pena esclarecer a relação (tênue) que existe entre ele e nosso livro. Uma antiga observação de Derrida a propósito da relatividade de Einstein é, de fato, citada na paródia de Sokal. Ora, o objetivo dessa paródia era, entre outros, zombar do tipo de discurso, muito frequente no pós-modernismo norte-americano, que consiste em citar as obras de "mestres" como se substituíssem o argumento racional. Como os textos de Derrida e de Lacan, assim como os enunciados mais subjetivistas de Bohr e de Heisenberg sobre a interpretação da mecânica quântica, fazem parte das referências preferidas dessa microcultura, eles são um Cavalo de Tróia ideal para penetrar em sua cidadela.
Mas nosso livro, ao contrário da paródia, possui um alvo rigidamente limitado: o abuso sistemático de conceitos e de termos provenientes das ciências físico-matemáticas. Jacques Derrida não entra nessa categoria. Dizemos na introdução: "Embora o texto de Derrida citado na paródia de Sokal seja bastante divertido, ele parece isolado em sua obra; não incluímos, assim, um capítulo sobre Derrida neste livro". De resto, previnimos o leitor contra o "amálgama entre os procedimentos, muito diversos, dos autores" que discutimos; isso vale, a fortiori, para os autores que não discutimos, tais como Derrida. Ele tem razão, portanto, de se queixar quando a mídia, ao resenhar nosso livro, acrescenta às vezes a sua foto; mas a crítica deve ser dirigida aos jornalistas, e não a nós, que fomos os mais claros possíveis.
Estamos de acordo tanto para deplorar os amálgamas de que Derrida foi vítima quanto para deplorar os amálgamas que foram feitos entre a nossa crítica, que se atém à clareza e ao rigor _qualidades que não têm nenhuma coloração política_, e as correntes politicamente reacionárias, às quais somos totalmente estranhos e, de fato, firmemente opostos. Criticar a invocação abusiva do axioma da escolha não é a mesma coisa que atacar a segurança social.
Derrida nos faz somente uma crítica concreta: ele aponta algumas diferenças _e uma que lhe diz respeito_ entre os artigos que publicamos no "Libération" (18-19/10/97) e no "Times Literary Supplement" (17/10/97). Ele conclui que se trata de um "oportunismo" desonesto: dizer uma coisa aos francêses e uma outra aos inglêses. Infelizmente, a verdade é bem mais banal. No "Libération", nós escrevemos: "Não criticamos de forma alguma toda a filosofia francesa contemporânea, mas só abordamos os abusos dos conceitos de física e de matemática. Pensadores célebres como Althusser, Barthes, Derrida e Foucault são esencialmente ausentes de nosso livro". Mas o editor do "Times Literary Supplement" nos pediu para formular essa última frase de forma afirmativa; nós a modificamos, então, para: "Pensadores célebres como Althusser, Barthes e Foucault (...) aparecem em nosso livro exclusivamente num papel menor, como admiradores dos textos que nós criticamos". Se omitimos Derrida nessa última lista, é pelo fato de que ele não aparece em nosso livro, nem sequer nesse papel menor! Notemos, de passagem, que a lista dos "excluídos" poderia ser muito mais longa: Sartre, Ricoeur, Lévinas, Canguilhem, Cavaillès, Granger e inúmeros outros se encontram totalmente ausentes de nosso livro. Nós atacamos uma forma de argumentação (ou de intimidação) que abusa de conceitos científicos, e não principalmente uma forma de pensamento.
Para terminar, repitamos pela enésima vez que absolutamente não nos opomos ao simples uso de metáforas, como parece crer Max Dorra, de quem o "Le Monde" publicou simultaneamente o ponto de vista. Não censuramos ninguém por utilizar termos correntes como "rio" ou "caverna" e nem mesmo termos que têm sentidos múltiplos, como "energia" ou "caos". Criticamos o uso de termos estritamente técnicos, como "conjunto compacto" ou "hipótese do contínuo", fora de seus contextos e sem a explicação de sua pertinência. Após tê-lo sublinhado tantas vezes _no livro e nos inúmeros debates que se seguiram_, é triste ver nossos detratores repetir as mesmas trivialidades sobre o "direito à metáfora", sem se darem o trabalho de defender um único dos textos que nós criticamos.
Alan Sokal é professor de física na Universidade Nova York.
Jean Bricmont é professor de física teórica na Universidade de Louvain (Bélgica).
Tradução de José Marcos Macedo, corrigida por Alan Sokal.
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