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1998-05-13
Imposturas e fantasias
Já nos habituamos a ver nosso livro "Impostures Intellectuelles" ser debatido por pessoas que não o leram. Porém, é surpreendente que alguém que obviamente leu nosso livro _um professor de filosofia, aliás_ possa ter escrito uma longa resenha, em um jornal sério, na qual ignora quase tudo o que escrevemos no livro e ainda nos atribui coisas que não escrevemos (Jornal de Resenhas, nº 38, 9/5/98, pág. 10).
Nosso livro surgiu a partir da peça pregada por um de nós, que publicou, na revista americana de estudos culturais "Social Text", uma paródia repleta de citações sem sentido, mas infelizmente autênticas, a respeito da física e da matemática, extraídas de obras de eminentes intelectuais franceses e americanos. No entanto, apenas uma pequena parte do dossiê descoberto durante a pesquisa bibliográfica de Sokal pôde ser incluída na paródia. Após mostrar esse longo dossiê a amigos, cientistas ou não, fomos (lentamente) nos convencendo de que poderia valer a pena torná-lo acessível a um público mais amplo. Desejávamos explicar, em termos não técnicos, por que as passagens citadas são absurdas ou, em muitos casos, simplesmente carentes de sentido; e também desejávamos discutir as circunstâncias culturais que permitiram a esses discursos adquirir tamanho renome e permanecer, até então, sem exame. Um segundo alvo de nosso livro é o relativismo cognitivo, a saber, a idéia de que as asserções fatuais _sejam elas mitos tradicionais ou teorias científicas modernas_ podem ser consideradas verdadeiras ou falsas apenas "em relação a uma cultura particular".
Como Bento Prado Jr. reage a este livro? Deixemos de lado os epítetos pejorativos: "panfleto", "ressentimento", "red neck", "estilo monsieur Homais", "15 minutos de notoriedade". É óbvio que ele não gosta de nosso livro, mas honestamente não compreendemos por quê. Ele admite nossa tese principal: "Este livro põe em ridículo, muitas vezes com razão, um uso obscuro da linguagem" por parte de famosos filósofos-literatos franceses (Lacan, Kristeva, Baudrillard, Deleuze e outros). Ele não procura defender nenhum dos textos que criticamos, e ainda acrescenta que "a antologia levantada pelos dois autores poderia ser muito ampliada". Muito bom.
Quais são então as suas críticas?
Ele se queixa de nosso alvo _"a nebulosa pós-moderna"_ ser "definido, ele mesmo, de maneira muito nebulosa: trata-se da nebulosa 'pós-estruturalista' ou 'desconstrucionista' ". Mas essa "definição" é invenção do próprio Prado; ademais, ele suprime a definição dada no primeiro parágrafo de nosso livro: "Uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por elaborações teóricas independentes de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que trata as ciências como 'narrativas' ou construções sociais como quaisquer outras".
Prado afirma, sem apresentar a mínima evidência, que nosso alvo pós-moderno "inclui quase toda a epistemologia e mesmo a filosofia de língua inglesa". Ele nos atribui a idéia de que "o pobre Quine arca com a responsabilidade de desligar a ciência do real (...). Descobrimos que Quine é desconstrucionista". Sejamos sérios! Quine figura apenas uma vez em nosso livro (págs. 65-66), em que apoiamos sua asserção de que os enunciados científicos não podem ser testados individualmente, mas criticamos as formulações mais extremas dessa tese.
Prado chega a nos atribuir uma "arqueologia da Desrazão que explica o delírio epistemológico-cosmológico de um certo feminismo a partir dos 'equívocos' lógico-semânticos de Quine". Mas isso é pura invenção, sem nenhuma base em nosso livro. Nosso capítulo filosófico não menciona o feminismo e nosso capítulo sobre Irigaray não menciona Quine.
Prado afirma que relegamos Hegel "ao inferno do 'irracionalismo'". Mas Hegel é mencionado só em duas breves passagens de nosso livro (págs. 16-17, 146) e somente a propósito de seus escritos sobre o cálculo diferencial e integral _erros que foram repetidos, 150 anos depois, por Deleuze. Não tomamos nenhuma posição a respeito da filosofia de Hegel.
Prado zomba de termos supostamente considerado Bergson um pós-modernista. De fato, escrevemos (pág. 166): "Obviamente, Bergson não é um autor pós-moderno. (...) Há certamente uma seriedade em Bergson que contrasta nitidamente com a desenvoltura e o caráter 'blasé' dos pós-modernos". Por uma razão diferente, incluímos um capítulo sobre os mal-entendidos de Bergson e seus sucessores (Jankélévitch, Merleau-Ponty e Deleuze) a respeito da relatividade: porque os consideramos um exemplo que ilustra a "trágica ausência de comunicação entre os cientistas e certos filósofos (e não os menores)" (pág. 168) _uma situação que persiste ainda hoje, a julgar pelos próprios mal-entendidos do professor Prado.
Ele afirma que "Bergson jamais criticou, é claro, a teoria (da relatividade) enquanto tal" e que "Bergson reconheceu que seus argumentos teóricos (...) estavam literalmente errados". Ambas as asserções são falsas. Como mostramos (págs. 175-176), Bergson fez uma predição empírica a respeito do comportamento de relógios em movimento que é diferente da predição da teoria da relatividade (talvez ele não tivesse percebido que sua predição contradiz a relatividade, mas essa é uma outra questão; na verdade, um de nossos objetivos é refutar a opinião difundida de que Bergson não criticou a relatividade, mas apenas sua interpretação).
E embora Bergson não tenha publicado "Durée et Simultanéité" (Duração e Simultaneidade) após 1931, ele repetiu as mesmas idéias em "La Pensée et le Mouvant" (O Pensamento e o Movente), de 1934, e, pelo que sabemos, nunca as negou e muito menos explicou o que havia de errado com elas. Mas, se o tivesse feito, isso apenas reforçaria nossa questão principal, que não concerne a Bergson mas a seus sucessores: por que eles repetiram os mesmos erros décadas depois de terem sido corrigidos, paciente e pedagogicamente, por numerosos físicos?
Prado conclui dizendo-nos condescendentemente que, "desencaminhados por seus informantes, (Sokal e Bricmont) não leram as melhores páginas que Merleau-Ponty consagrou à questão Bergson-Einstein. Deveriam ler os ensaios 'Bergson Se Fazendo' e 'Einstein e a Crise da Razão' ". Perguntamo-nos como Prado pode estar tão seguro acerca do que temos e do que não temos lido. Não apenas conhecemos esses ensaios (que contêm graves mal-entendidos sobre a relatividade), como criticamos explicitamente um deles em nosso livro (ver nota 232 nas págs. 180-181).
Cabe notar que as confusões de Merleau-Ponty sobre a relatividade são sistemáticas: repetem-se em suas conferências no final dos anos 50 no Collège de France, conforme examinamos (págs. 179-181). Essas mesmas confusões reaparecem no livro "Le Bergsonisme" (1968), de Deleuze.
Consideremos, finalmente, o capítulo de nosso livro dedicado à filosofia da ciência: trata-se de um esforço pedagógico para esclarecer os fundamentos conceituais do conhecimento científico e, em particular, para desfazer algumas confusões comuns a respeito de questões como a impregnação teórica da observação, a subdeterminação das teorias pelos dados e a suposta incomensurabilidade entre paradigmas. Em particular, examinamos algumas ambiguidades nos escritos de Kuhn e Feyerabend e criticamos a corrente "construtivista social" radical da sociologia da ciência (Barnes, Bloor, Latour).
Não pretendemos que essas idéias sejam novas; de fato, elas se enquadram no "mainstream" da filosofia analítica contemporânea da ciência. Nossa principal preocupação é, antes, desfazer os mal-entendidos que têm proliferado dentro de muitos domínios das ciências sociais e que têm conduzido, pelo descuido de pensamento e linguagem, a um relativismo cognitivo radical.
Estamos cientes de que essas questões filosóficas são sutis e ficaremos contentes se nossas idéias forem submetidas a uma crítica vigorosa. Infelizmente, os comentários de Prado pouco contribuem para esse debate, ao refletirem uma compreensão confusa daquilo que escrevemos. Prado afirma que consideramos que o relativismo é "hegemônico na epistemologia", mas nós não dissemos nada disso. Muito pelo contrário, o relativismo é uma tendência minoritária dentro da filosofia analítica, mas se tem tornado dominante em certos setores das ciências humanas, mais como um vago "Zeitgeist" ("espírito do tempo") do que como uma doutrina filosófica coerente.
Prado distorce nossas idéias sobre a relação entre conhecimento científico e conhecimento ordinário, ao desconsiderar nossa distinção entre metodologia e conteúdo. Insistimos na continuidade entre o "método científico" e a atitude racional cotidiana, mas salientamos que os resultados científicos "amiúde entram em conflito com o senso comum" (pág. 57).
Em suma, estamos perplexos diante da reação a nosso livro. Quando inicialmente tomamos contato com os textos de Lacan, Deleuze e outros, ficamos chocados com seus abusos grosseiros, mas não sabíamos se valeria a pena gastar tempo para revelá-los. Esses autores ainda são levados a sério? Foram pessoas das ciências humanas que nos convenceram de que poderia valer a pena. Assim, esperávamos dar uma pequena contribuição a esses campos, acrescentando mais uma voz contra o aviltamento do pensamento pela proliferação de um jargão inútil e pretensioso.
Sabíamos, é claro, que seríamos duramente atacados pelos nossos alvos e seus discípulos. Mas uma coisa que não prevíamos era a hostilidade agressiva de algumas pessoas que não são, pelo visto, fãs dos autores criticados. Talvez nosso livro tenha estimulado "uma estratégia de defesa de território" por parte de pessoas que, como Prado, erroneamente o tomaram como um lance numa disputa territorial. Mas não escrevemos este livro para defender as ciências naturais das ameaças do pós-modernismo e do relativismo; esse perigo é quase inexistente. Também não se trata de um ataque à filosofia ou às ciências humanas em geral; muito pelo contrário, é um modesto esforço para apoiar nossos colegas nesses campos, que há tempos denunciam os efeitos perniciosos do jargão obscurantista e do relativismo visceral. As reações corporativistas contra nosso livro estão, pois, fora de lugar.
Obviamente, Prado e muitos outros não gostam de nosso livro. Mas por que razão? Sua crítica baseia-se inteiramente em suas próprias fantasias, não em uma leitura honesta daquilo que escrevemos. Uma vez eliminadas essas fantasias, seu artigo não contém um único argumento racional contra nossas teses. Talvez uma modesta manifestação de racionalismo provoque profundas reações irracionalistas.
Alan Sokal é professor de física na Universidade de Nova York (EUA).
Jean Bricmont é professor de física teórica na Universidade Católica de Louvain (Bélgica).
Tradução de Caetano Plastino.
Marcadores: Filosofia, France, Intelectuais, Paris, Resenha, Social, Sociologia, Sokal
1998-05-09
Quinze minutos de notoriedade
"'Realismo', 'idealismo' etc., já são, de antemão, nomes metafísicos. Isto é, indicam que seus partidários acreditam poder declarar algo determinado sobre a essência do mundo."
"Na filosofia não podemos cortar uma doença do pensamento. Esta tem de seguir o seu curso natural, e a cura lenta é o mais importante (Eis por que os matemáticos são tão maus filósofos)". Wittgenstein
O panfleto de A. Sokal e J. Bricmont é escrito com fluência e não lhe falta graça (embora amiúde involuntária), para quem simpatiza com o estilo agressivo e iconoclasta, inevitável na prática da crítica da cultura. Ao contrário das pessoas, que são objeto de respeito por definição, os estilos culturais transformam-se em fetiches quando protegidos pela aura do respeito. Deixemo-nos levar, portanto, pelo verdor da verve juvenil e alegre (falo aqui apenas do estilo, já que ignoro a idade dos professores das universidades de Nova York e de Louvain), que torna tão fácil a leitura deste pequeno livro, mesmo para aqueles que ainda não abandonaram os bancos escolares.
Tudo começou (este livro é o último episódio de um espetacular escândalo intelectual, que ferveu na mídia internacional: "New York Times" , "Le Monde" etc.) com um formidável passa-moleque aplicado com muito senso de oportunidade por Sokal a uma respeitável revista americana de "cultural studies", "Social Text". Sob um título perfeitamente cômico ("Transgredir as Fronteiras: Em Direção de uma Hermenêutica Transformativa da Gravitação Quântica"), que já de si implica em vários contra-sensos, publicou um ensaio em que parodia o estilo do pensamento "pós-moderno", de origem francesa, que teve mais eco nos "campi" norte-americanos do que no resto do mundo, produzindo intencionalmente um enxurrilho de sandices, onde os conceitos da física, da matemática e da lógica são sistemática e literalmente massacrados.
O mistério de como um texto visivelmente nulo foi aceito para publicação por uma boa revista (qualidade reconhecida por Sokal, isto é, pelo próprio autor do embuste que a expôs ao ridículo) permanece inteiro, a despeito das múltiplas declarações posteriores das partes em litígio, e não seria sensato tentar deslindá-lo aqui (1). O que nos interessa é tentar compreender o sentido e o alvo dessa impostura, a partir do que é exposto em "Imposturas Intelectuais" (2).
Qual o alvo visado pela paródia desmoralizadora? Sokal e Bricmont o definem como a "nebulosa pós-moderna". E é preciso reconhecer que essa empresa não é destituída de interesse (senão para a filosofia, pelo menos para a sociologia da cultura e das instituições pedagógicas). É impossível não reconhecer, na filosofia (e em seus efeitos nas ciências humanas) dos últimos 30 anos, a presença mais ou menos ubíqua de uma retórica sibilina e desconcertante. De fato, a incontornável obliquidade da linguagem filosófica (alusiva por essência) é elemento propício à proliferação da desenvoltura, do tom "grand seigneur" que se permite liberdade sem limite na manipulação de conceitos científicos, sem qualquer respeito pelas condições de seu uso preciso ou pela sua mera significação. O ridículo é frequente e a antologia levantada pelos dois autores poderia ser muito ampliada. O estilo da "dissertation française" (3) não é imune à diluição retórico-literária, como se vê na narrativa de Lévi-Strauss (em "Tristes Trópicos" ) da ruptura do jovem "agregé" de filosofia com o blablablá de sua disciplina de formação e sua conversão à pesquisa empírica na antropologia.
Isto dito, vejamos como é definido esse alvo. Se a expressão "nebulosa pós-moderna" é um bom achado literário e promete efeitos cognitivos, o alvo é definido, ele mesmo, de maneira muito nebulosa: trata-se da nebulosa "pós-estruturalista" ou "desconstrucionista" (A. Bloom era mais preciso, falando de pensamento parisiense "pós-sartreano"). Mas a névoa é ainda mais espessa, já que inclui quase toda epistemologia e mesmo a filosofia de língua inglesa _o pobre Quine arca com a responsabilidade de desligar a ciência do real e insulá-la numa esfera puramente linguística ou simbólica, abrindo curso à vaga do relativismo e do irracionalismo. Descobrimos que Quine é desconstrucionista. Com ele, entram na baila nebulosa, também, Merleau-Ponty e Bergson (um Bergson pós-moderno? só se for verdadeira a perspectiva pós-moderna que suprime a história). Tudo isso culminando _como numa sequência lógica_ no abuso feminista de conceitos físicos para amparar uma teoria da diferença sexual que ataca o "falogocentrismo" de uma perspectiva emancipatória. Assim alinhados (4), os textos criticados (convenhamos, de natureza diferente e importância desigual) compõem uma espécie de "samba do crioulo doido". Mas o que é mais cômico? A pergunta de L. Irigaray: "A equação E = Mc2 é uma equação sexuada?". Ou essa arqueologia da Desrazão que explica o delírio epistemológico-cosmológico de um certo feminismo a partir dos "equívocos" lógico-semânticos de Quine? Aparentemente, de fato, há crise da Razão.
É o que se pode ver no momento mais sério e original (mas o mais fraco) do livro, isto é, o "intermezzo" filosófico do capítulo três, em que os autores exprimem sua '"filosofia da ciência", em contraposição ao que consideram o "relativismo" hegemônico na epistemologia. Pontuado pela evocação elegíaca do "racionalismo moderno" (que não seria nem elementarmente empirista, nem arrogantemente racionalista, mas algo de intermédio, próximo do bom senso comum) ou do espírito da "Aufklãrung", esse novo programa insiste em que o conhecimento científico deve, ao mesmo tempo, ter estrutura lógica e base empírica. Quem jamais disse o contrário? Nem Feyerabend.
O empirismo puro e bruto não poderia servir para quem pensa em física teórica, é claro. Mas Sokal e Bricmont nada podem conceder ao lado contrário, que insiste na construção lógica da teoria científica, já que os levaria, contra-vontade, na direção da melhor epistemologia. Daí recorrerem à transição "razoável" do conhecimento comum ao conhecimento científico: a ciência corta com o senso comum, mas não completamente. Mas brecando a tempo, pois nessa direção chegariam a uma perspectiva pragmatista, também suspeita de subjetivismo. A fórmula seria: um bom e saudável pragmatismo sem filosofia pragmatista, ciência sem pensamento. E, sobretudo, sem compromisso com a filosofia da lógica, que poderia nos afastar do mundo real com meros "jogos de linguagem" (curiosamente os inimigos da retórica francesa são, pelas mesmas razões, inimigos da filosofia analítica de língua inglesa).
Menos original (já que no início do século muita asneira foi dita no mesmo sentido) é o capítulo 11 que consagram a "um olhar sobre a história das relações entre ciência e filosofia: Bergson e seus sucessores". O que os autores não revelam (não sabem?) é que Bergson reconheceu que seus argumentos técnicos, contra a interpretação filosófica que Einstein deu à teoria da relatividade, estavam literalmente errados (5). E proibiu, em consequência, no início da década de 30, a republicação de " Duração e Simultaneidade". Falar, portanto, de um erro tenaz que se perpetua é simplesmente contraverdade ou falsificação. Seria, este caso, penso, pelo contrário, um exemplo de boa relação entre filosofia e ciência, ao contrário do que dizem os autores. Que, aliás, desencaminhados por seus informantes, não leram as melhores páginas que Merleau-Ponty consagrou à questão Bergson-Einstein. Deveriam ler os ensaios "Bergson Se Fazendo" e "Einstein e a Crise da Razão". Aí poderiam ver que a questão, de que tratam Bergson e Merleau-Ponty, não é apenas a do mau uso da ciência pelos filósofos (embora tratem também e bem desse assunto), mas sobretudo do mau uso da filosofia pelos cientistas. Ou, pelo menos, de um certo dogmatismo que, por exemplo, leva Einstein a dizer: "Não há, portanto, um tempo dos filósofos" (6).
Numa palavra, este livro põe em ridículo, muitas vezes com razão, um uso obscuro da linguagem por parte de filósofos. De fato, águas turvas podem dar ilusão de profundidade. No caso deste livro, ao contrário, as águas claras não escondem seu fundo raso. Os autores queriam jogar um paralelepípedo no ventilador e acabaram botando fogo num rojão que deu chabu. Mas ganharam os 15 minutos de notoriedade que a sociedade do espetáculo garante democraticamente a todo mundo. No que confirmam o velho Hegel (que relegaram ao inferno do "irracionalismo") que identificava, no coração da dialética da "Aufklãrung" a luta mortal pelo reconhecimento ou pelo puro prestígio. Ou o próprio Nietszche _nome polêmico neste contexto_ que elaborou uma fina fenomenologia do ressentimento.
Notas
1. Mas é razoável pensar que o "prestígio da física no mundo contemporâneo" que os autores sublinham em seu panfleto, não foi indiferente ao êxito do embuste. Prova de que não basta querer assumir uma postura de crítica face à cultura e à sociedade contemporâneas para se livrar de todas as formas de fetichismo.
2. Não sei se Sokal qualificaria sua própria artimanha para enganar os editores de "Social Text" de impostura intelectual. O dicionário Aurélio assim define a palavra "impostura": "1. artifício para iludir... 2. fingimento... 3. vaidade ou presunção extrema; falsa superioridade... etc.".
3. Pois é bem disso que se trata: o alvo dos autores é a filosofia francesa que, segundo eles, veio a corromper o bom funcionamento das universidades americanas na área das humanidades: eles não deixam de brincar com a fácil transição de "haute culture" ("alta cultura") para "haute couture" ("alta costura"). No fundo, as "humanidades" entendidas como frivolidade e luxo desnecessário, fustigadas por um espírito frugalmente puritano e pragmático.Trata-se de uma estratégia de defesa de território que não é nova. Já em 1987 Allan Bloom escrevia em seu "The Closing of American Mind": "A literatura comparada caiu amplamente nas mãos de um grupo de professores que foram influenciados pela geração pós-sartreana dos heideggarianos parisienses, em particular Derrida, Foucault e Barthes. Esta escola é chamada de desconstrucionismo e é o último, previsível, estágio da supressão da razão e da negação da possibilidade da verdade em nome da filosofia". A tese é a mesma, embora enunciada de uma perspectiva liberal-conservadora, numa atmosfera "high brow", enquanto a de Sokal e de Bricmont, que são de esquerda (o primeiro, com estadia militante na universidade da Nicarágua sandinista), soa um pouco "red neck" uma espécie de estilo monsieur Homais das montanhas rochosas.
4. Na verdade, os autores não são os únicos responsáveis pelo estabelecimento desse "corpus" estapafúrdio. Na abertura do livro, citam 64 nomes de intelectuais que os auxiliaram na compilação do "corpus" de referência. Nesse "corpus", onde Hegel está presente, notamos a ausência inexplicável de Kant. Referência indispensável para quem ataca a idéia de que a ciência não nos dá acesso às coisas em si.
5. Bergson jamais criticou, é claro, a teoria enquanto tal.
6. Que seguramente não é uma tese propriamente científica. Mas não faltava, certamente, espírito filosófico a Einstein, que via problemas onde nossos autores só vêm evidências. Penso no Einstein que dizia (contra uma epistemologia ingenuamente realista): "O incompreensível é que o mundo seja compreensível".
Bento Prado Jr. é professor de filosofia da Universidade Federal de São Carlos e autor, entre outros, de "Alguns Ensaios" (Max Limonad).
Marcadores: Social, Sociologia, Sokal
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