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http://underpop.online.fr 1996-09-22  

A brincadeira de Sokal

A brincadeira de Sokal...

Roberto Campos

Folha de São Paulo, 22 setembro 1996

"O imbecil coletivo... é uma coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior, que se reúnem movidas pelo desejo comum de imbecilizar-se umas às outras".Olavo de Carvalho
Uma divertida, mas muito oportuna tempestade, ainda agitando os subúrbios da vida acadêmica americana. Um físico, dr. Alan Sokal, professor da New York University, publicou na edição da primavera/verão da "Social Text", uma revista esquerdista de crítica cultural, dedicada sobretudo ao "pós-modernismo", um enroladíssimo ensaio intitulado "Atravessando as Fronteiras: em Direção a uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica"! Logo depois, Sokal publicou em outra revista, "Língua Franca", um artigo sob o título de "Um Físico faz Experiências com Estudos Culturais".
Neste, ele explica que o texto mandado para "Social Text" era uma paródia às custas dos praticantes dos "estudos da ciência"; não mais que uma piada repleta de frases sem sentido, para dar a impressão de que estava questionando a validade da mensuração da "realidade" física...
O que doeu para burro (não é jogo de palavras...) é que a revista "Social Text", que hospedara essa brincadeira, havia conquistado certa reputação de seriedade na linha culturalista de esquerda. Tornara-se uma espécie de último refúgio intelectual dos resíduos de um radicalismo acadêmico que ainda floresce em áreas menos iluminadas das chamadas "ciências sociais". Há muito tempo, os cientistas das disciplinas "duras" vem sentindo crescente desgosto com o facilitário, a parolagem e as pretensões intelectuais dessa turma "engajada".
Ninguém se esquece do que aconteceu nos tempos áureos do socialismo de Stálin. Nessa época, a teoria da relatividade era ciência "burguesa" e "judaica"; a cibernética era banida por motivos parecidos (o que atrasou enormemente a tecnologia soviética) e a genética mendeliana dava Gulag ou pior (porque contrariava o suposto socialista da "hereditariedade dos traços adquiridos").
Essas histórias, é verdade, são antigas, mas o vício do patrulhamento, pela submissão da idéia à ideologia, parece gostoso demais às esquerdas, em que conseguem alguma parcela de poder. Aqui nas terras de Macunaíma, muita gente foi patrulhada e perseguida, não raro da maneira mais calhorda _tudo, é claro, em nome da "boa causa". Há patrulhadores contumazes: Antonio Callado, por exemplo, na literatura, e Emir Sader, nas ciências sociais.
O primeiro buscou vetar a publicação no Jornal do Brasil de artigos de Olavo de Carvalho, um filósofo de grande erudição, e o segundo investiu contra José Guilherme Merquior, que foi indubitavelmente o sociólogo de maior densidade cultural da jovem geração brasileira e o que mais se projetou internacionalmente.
A brincadeira de Sokal não mereceria talvez mais que uma gargalhada, se os colaboradores do "Social Text" não tivessem perdido a esportiva e falado em "quebra de ética" e outras coisas feias, armando uma verdadeira guerra contra os chamados "conservadores na ciência". Na verdade, eles confessam que haviam tomado o artigo de Sokal como uma tentativa séria de um físico para encontrar na "filosofia pós-moderna" algum apoio para os desenvolvimentos na sua ciência.
E algumas afirmações do editor da revista, professor Stanley Fish, da Duke University, acabaram soando quase tão engraçadas quanto as de Sokal: "Os sociólogos da ciência, diz ele, não estão tentando fazer ciência, mas sim encontrar uma rica e poderosa explicação do que significa fazê-lo"... (sic)
Essa tentativa de auto-justificação espicaçou irritações acumuladas e atiçou um fogo de morro-arriba nos círculos acadêmicos pelo mundo afora. Não é de hoje, naturalmente, que pensadores sérios reclamam contra o facilitário com que praticantes das chamadas "ciências sociais" _e da filosofia_ abusam dos critérios de racionalidade e da semântica, às vezes em defesa de interesses ideológicos imediatistas.
O grande lógico-matemático Carnap, por exemplo, desancou asserções sem sentido de filósofos então na moda. Tudo isso, porém, faz parte do jogo, e não despertaria atenção se não fosse a crescente falta de desconfiômetro intelectual dos "radicais chiques", "engajados", negando validade aos esforços de conhecimento objetivo das ciências e pregando descaradamente como "ciência" seus próprios preconceitos políticos e ideológicos.
A discussão estourou feia por outros campos. Por exemplo, um jornalista trouxe à baila que, em alguns casos, estava sendo ensinado que Cleópatra e Sócrates eram ambos negros, que a filosofia e a ciência gregas haviam sido roubadas da África e que Aristóteles roubara a sua filosofia da biblioteca de Alexandria.
Tolices como essas mal escondem um viés paternalista insultuoso, que só desserve à causa da justiça à raça negra. Não sem razão, o super-radical líder negro americano Farrakhan, que fez a recente notável marcha sobre Washington e que prega, inclusive, uma estrita separação em relação aos brancos, rejeita esse bom-mocismo e reclama dos seus correligionários uma "auto-afirmação séria".
Para nós, acostumados a um grau de descaramento muito mais grosso por parte dos nossos radicais e corporativos, as diluídas repercussões do caso que nos estão chegando podem parecer diversão de Primeiro Mundo. Mas, por trás de tudo isso, há perguntas válidas. Será tudo tão relativo que nada de objetivo se possa afirmar sobre o mundo real? Está o cientista obrigado pelas regras lógicas e éticas da consistência, ou o "engajamento" será o mais importante de tudo? Será toda a "verdade" sempre "política" e "ideológica", ou os princípios da Razão podem levar-nos a um conhecimento cada vez mais amplo, acessível a todos e por todos aferível?
Não há respostas absolutas para essas indagações. Mas todos nós temos de manter alguma relação com aquilo que podemos chamar de "mundo real". Mesmo um engajado "sociólogo da cultura", por mais enroscado que esteja na "desconstrução pós-moderna", ao apertar o botão da luz espera que a lâmpada acenda, e, ao virar a chave do carro, espera sem sombra de dúvida que as "relativas" leis da física e da química e a matemática em que são formuladas não pararão de funcionar naquele exato momento.
Por outro lado, o esforço de "desconstrução", como todos os esforços críticos, pode ser útil para balizar nosso pensamento e mostrar alguns dos nossos limites. Que não são muita novidade, aliás. Há 25 séculos, os gregos quebravam a cabeça com paradoxos não diferentes daqueles sobre os quais se debruçariam os matemáticos e lógicos Whitehead e Russell e, mais recentemente, Gõdel.
Os economistas, esses então, vivem com permanente enxaqueca, porque lidam com matérias que são, ao mesmo tempo, próprias da matemática e da física, da história e da cultura. Ou seja, de um lado há o risco do buraco negro de um excessivo grau de abstração; de outro, o lameiro do facilitário com que os malandros se valem das "ciências sociais". Com pequenas perversidades de um lado e de outro. Por exemplo, Paul Krugman, o economista (é claro...), recentemente contou a anedota do professor de economia hindu que assim tentava explicar aos alunos a reencarnação: "Se vocês forem sérios, aplicados, fizerem bem os seus deveres, na próxima encarnação voltarão como físicos. Se forem malandros e relaxados, voltarão como sociólogos"...
Não pretendo tirar conclusões, porque prefiro não apanhar nem de um lado nem de outro. Já sofri a minha quota de patrulhamento. Mas, que seria bastante útil um pouco mais de rigor no discurso brasileiro, seria. Só haveria ganhos se começássemos a praticar a semântica do sujeito-verbo-predicado, em vez do nosso tropical desrespeito pelas palavras e pelo fato de que, por trás delas, tem de haver certo sentido nas coisas...
Roberto Campos, 79, economista e diplomata, é deputado federal pelo PPB do Rio de Janeiro. Foi senador pelo PDS-MT e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).

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1996-09-15  

O telhado de vidro do relativismo

O telhado de vidro do relativismo

Cláudio Weber Abramo

Folha de São Paulo, 15 setembro 1996

Nunca, na história da filosofia, uma vitória foi tão completa como a que goza hoje a epistemologia pós-moderna, em especial sua vertente relativista. Por meio da expansão cognitiva imbricada no indeterminismo quântico e na teoria do caos, a ciência pós-moderna abole o conceito de realidade "física" e privilegia a não-linearidade e a descontinuidade. Ao mesmo tempo, por meio do (meta)cruzamento dos conceitos, desconstrói e transcende as distinções metafísicas cartesianas entre humanidade e Natureza, observador e observado, sujeito e objeto. Baseia sua perspectiva ontológica sobre a trama dinâmica das relações entre o todo e as partes; no lugar de essências individuais fixas, conceitualiza interações e fluxos.

É finalmente reconhecida a relevância do simbolismo e da representação, que liberam as ciências da camisa-de-força das fronteiras interdisciplinares e propiciam a transgressão criadora. Torna-se cada vez mais aparente que os objetos naturais são construídos social e linguisticamente, o que dissolve sua putativa concretude. A "realidade objetiva", autoritária e elitisticamente imposta pela ciência tradicional, mostra ser o que sempre foi: uma ilusão ideologicamente imposta por um establishment científico a serviço de interesses retrógrados.

Em nenhum lugar esse movimento pode ser identificado mais claramente do que na teoria quântica da gravitação. Pesquisas recentes nessa área, alimentadas pela metacrítica do desconstrutivismo, têm liberado a investigação científica de seus velhos pressupostos objetivistas e, em consequência, trazido a física para uma crescente harmonização com as humanidades. Tão íntima é essa aproximação que, por exemplo, as teorias psicanalíticas de Jacques Lacan encontram confirmação em investigações realizadas no terreno da teoria quântica de campos. E é sintomático observar a dívida da nova física para com o trabalho de pensadores desconstrutivistas, como é exemplo paradigmático a teoria da estrutura e dos signos no discurso científico, de Derrida.

Tão extensa e fundamental é a revolução por que passa a teoria quântica da gravitação que abole até o conceito de existência que forma a base da tradição filosófica ocidental. Por isso, não surpreendentemente, são muito profundas suas implicações culturais e políticas. No entanto, o desabrochar dessas implicações numa práxis política progressista ainda dependerá de extenso trabalho teórico, a começar pelo fundamento mais íntimo do empreendimento científico, a matemática. Uma ciência liberadora do homem não poderá se completar na ausência de uma profunda revisão do cânone matemático dominante desde Galileu: notoriamente capitalista, patriarcal e militarista.


Neste ponto convida-se o eventual leitor a uma reflexão. O que se acabou de ler é ou não é plausível à luz do que se lê por aí? Não terá ele encontrado em leituras recentes o vocabulário, as referências cruzadas e o particular modo de inferência presentes no acima?

"Fluxo", "ênfase dialética", "não-linearidade", "teoria do caos", "indeterminismo quântico", "metacruzamento", "emancipação cognitiva", metacrítica" compõem um léxico decerto familiar. Também é familiar a justaposição desse léxico numa sintaxe, digamos, fluxional: a uma frase se sucede outra, e outra, e outra, dando lugar a um "texto", objeto e fim da novel área dos "estudos culturais". Lógica, fundamentos, encadeamentos inteligíveis, pertinência, nem pensar.

No caso em questão, o "texto" afirma, entre outras barbaridades, que a realidade física não existe e que um terreno de investigação que lida com o micromundo (a teoria quântica de campos) estaria não só fruindo inspiração dos escritos de Derrida como propiciando suporte às especulações de Lacan e, ainda, fornecendo suporte a uma "física libertária" com "profundas" implicações para a cultura e a prática política! Afirma que os fundamentos da matemática são "capitalistas, patriarcalistas e militaristas"!

Ora, pois, se dirá, apresentar o "texto" acima como paradigma do que se publica na área dos "estudos culturais" é um exagero de má-fé. Nenhuma publicação respeitável poderia considerar seriamente a aceitação de tamanhas absurdidades em suas páginas.

Não foi, porém, o que aconteceu na prática. Explica-se: o "texto" em questão não foi inventado para a presente ocasião. Trata-se de um resumo (um pouco "desconstruído" e levemente adicionado de divertimentos próprios) de artigo lunático que os editores da prestigiosa revista "Social Text", "vade mecum" dos "estudos culturais" norte-americanos, aceitaram para publicação em uma edição especial (primavera/verão 96) dedicada à filosofia e à sociologia da ciência.

O autor da peça (intitulada "Transgressing the Boundaries: Towards a Transformative Hermeneutics of Quantum Gravity" _Uma Transgressão de Fronteiras: em Direção a uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica) é Alan Sokal, professor de física da Universidade de Nova York. Poucas semanas após a publicação do artigo na "Social Text", outra revista, "Lingua Franca", trouxe (edição de maio/junho de 1996) um pequeno escrito do mesmo Sokal em que ele denuncia seu próprio "texto" e explica a operação:

"Há alguns anos, venho me preocupando com um declínio aparente nos critérios de rigor intelectual vigorantes em determinados rincões das humanidades acadêmicas norte-americanas. (...) Para testar esses critérios, decidi fazer um experimento modesto (embora admitidamente incontrolado): será que uma revista de primeira linha na área dos 'estudos culturais' _cujo coletivo editorial inclui luminares como Fredric Jameson e Andrew Ross_ publicaria um artigo abundantemente preenchido com absurdidades, caso (a) soasse bem e (b) alimentasse os preconceitos ideológicos de seus editores? Infelizmente, a resposta é afirmativa".

Além de expor a debilidade das práticas pós-modernas, Sokal tinha uma motivação política para a peça que pregou. A dissolução da idéia de que o ser humano pode obter conhecimento objetivo a respeito do mundo, preconizada pelo relativismo, bem como a noção pós-moderna de que aquilo que possamos afirmar sobre a realidade não passa de "constructos", solapam os esforços de elaborar uma crítica progressista da ordem social. Como se tornou impossível desmoralizar as maluquices pós-modernas por meio do debate racional, Sokal induziu o alvo a atirar no próprio pé.

Ele estruturou seu artigo a partir da justaposição de fontes genuínas. Mesclou referências científicas verdadeiras a inacreditáveis absurdos sobre a física e a matemática provenientes de luminares pós-modernos como Deleuze, Derrida, Guattari, Lacan, Lyotard, Stanley Aronowitz (membro do corpo diretor da revista, citado nada menos que 13 vezes) e Andrew Ross (responsável pela edição do número em que o artigo apareceu, citado quatro vezes).

Por que o experimento de Sokal funcionou? Conforme ele aponta em um "Pós-escrito" enviado à "Social Text" após a eclosão do escândalo, a chave do sucesso foi o fato de seu artigo mimetizar as características do gênero "pós-moderno":

"Uma mistura de verdades, meias-verdades, um-quarto-de-verdades, falsidades, inferências inválidas e sentenças sintaticamente corretas, mas carentes de qualquer sentido. (...) Também empreguei outras estratégias consagradas (embora às vezes inadvertidamente) no gênero: apelos à autoridade em lugar da lógica; especulações apresentadas como ciência estabelecida; analogias forçadas e mesmo absurdas; uma retórica que soa correta, mas cujo significado é ambíguo; e confusões entre os significados técnico e corriqueiro das palavras".

O episódio lança luz sobre os costumes de uma certa casta acadêmica que tem contribuído fortemente para o estado de deliquescência em que se encontra a vida intelectual. Mesmo após a exposição do vexame, os editores da "Social Text" perseveraram nas mesmas práticas que os haviam levado ao ridículo. Num editorial cheio de subterfúgios publicado na Internet e depois na edição de julho/agosto 96 na "Lingua Franca", Bruce Robbins e Andrew Ross, co-editores do número fatídico, justificam assim o fato de o artigo ter passado por seu crivo:

"Concluímos que se tratava de uma tentativa esforçada de um cientista profissional de encontrar na filosofia pós-moderna algum tipo de afirmação para desenvolvimentos em seu próprio terreno. (...) Caso viesse de um humanista ou cientista social, o artigo de Sokal teria sido considerado um tanto obsoleto (fica-se imaginando as sandices que seriam exigidas para poder ser classificado como "up to date"...). Tratando-se de artigo de um cientista natural, julgamos ser plausivelmente sintomático de como alguém como Sokal poderia aproximar-se do campo da epistemologia pós-moderna, isto é, procurando desajeitada, mas assertivamente, capturar o 'clima' ('feel') da linguagem profissional da área, escudando-se ao mesmo tempo numa armada de notas de rodapé para aliviar sua sensação de vulnerabilidade. Em outras palavras, lemos o artigo mais como um ato de boa-fé quanto ao tipo (de escrito) que poderia valer a pena encorajar, do que como um conjunto de argumentos com que concordássemos. (...) Seu estatuto como paródia não altera substancialmente nosso interesse na peça como documento sintomático. De fato, a conduta de Sokal se transformou rapidamente em objeto de estudo para aqueles que estudam o comportamento de cientistas".

Fora o autoritarismo paternalista transparente nessas palavras, consegue-se ver claramente por que "Social Text" aceitou o artigo, como aceitara e encorajará outros, tão hilariantes como o de Sokal, embora genuínos: porque considera a presença de um "clima" condição suficiente para definir a pertinência à "linguagem profissional da área". Foi essa exatamente a hipótese formulada por Sokal em seu experimento, e confirmada pelo ato de publicação.

Observe-se, ainda, como opera o processo de regeneração perpétua característico do pós-modernismo: já tentam transformar o caso em objeto de estudo, em que Sokal passa a desempenhar o papel de rato de laboratório para experiências sobre uns cientistas pobres coitados incapazes de ler filosofia (a filosofia lá deles, bem entendido).

Quanto aos cientistas propriamente ditos, que passam a existência em busca de explicações sobre o funcionamento do mundo e têm coisa mais séria com que se preocupar, a "filosofia pós-moderna" não pode passar de piada. E foi assim, como uma piada até previsível, que o "caso Sokal" foi recebido por essa comunidade. (A edição de agosto do "New York Review of Books" traz artigo do físico Prêmio Nobel Steven Weinberg em que se analisam pacientemente os erros científicos e filosóficos cometidos pelos "pós-modernos" retratados no artigo de Sokal.) Nas humanidades, território de caça por excelência do pós-modernismo, a coisa pegou mais fundo.

Sokal informa via e-mail que "o escândalo parece estar tendo algum efeito em nosso pequeno mundo acadêmico _especialmente nas humanidades e nas ciências sociais, que afinal constituíam o alvo do experimento. Já se programaram inúmeros debates para o início do ano acadêmico, neste mês (fui convidado para mais de dez, em universidades de todo o país). O escândalo deu origem a uma discussão em que começam a ser ouvidos outra vez os velhos argumentos racionalistas contra o pós-modernismo. Enfim, suspeito que um certo tipo de prosa ininteligível e recheada de jargão tenha recebido um golpe mortal, pois os comitês universitários de promoção acadêmica estarão muito menos intimidados do que já foram por 'teorias' aparentemente profundas, mas incompreensíveis".

Receia-se que o otimismo de Sokal quanto à academia norte-americana não possa ser transferido para paragens remotas como o Brasil, em que a vida intelectual morreu por suicídio. É muito provável que continuemos a nos deparar com "textos" eivados de uma mixórdia de indefinidas categorias filosóficas misturadas a mal digeridas menções à teoria da relatividade geral, ao indeterminismo quântico, à teoria do caos, ao teorema de Gõdel, tudo servindo de suporte a especulações de modo geral ininteligíveis e, quando inteligíveis, gritantemente implausíveis, a respeito da psique, da função da forma na arte e de todo e qualquer assunto que dê na telha de seus perpetradores.

Se por aqui alguma coisa mudar não será por efeito de algum processo de discussão (pois debater é coisa que nossa intelectualidade, rendida sem luta ao relativismo e à complacência, só faz "in extremis"), mas porque alguém reparará tardiamente que desconstruções, "textos", "pós-modernismos" e quejandos terão caído de moda. Será uma conversão como tantas outras por que passaram, sem nexo e sem razão.

Cláudio Weber Abramo é bacharel em matemática e mestre em filosofia da ciência. Foi editor de Economia da Folha e secretário-executivo de redação da "Gazeta Mercantil". É sócio da Weber Abramo, Penz Assessoria de Comunicação.

E-mail wabpnz@ams.com.br

Agradeço a Alan Sokal a paciência de leituras e discussões progressivas em torno do presente artigo, do qual é, em essência, o verdadeiro autor (exceto quanto aos últimos parágrafos). Principalmente, agradeço a realização de uma antiga fantasia.

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