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Mensalão e Lava Jato: faces de uma mesma moeda


26. A atuação de integrantes do Governo Federal e do PT para garantir apoio de parlamentares no primeiro mandato presidencial de LULA foi, em parte, desvelada na Ação Penal nº 470. Aliada ao loteamento político dos cargos públicos, foi apontada a distribuição de uma "mesada" a agentes políticos (“mensalão”) em troca de apoio às propostas do Governo submetidas ao Congresso Nacional.42 Dentre vários eventos que apontaram evidências de práticas ilícitas envolvendo pessoas ligadas à cúpula do PT43, o “Mensalão” foi o caso mais notório.

Naquela investigação, indicou-se que o esquema de desvio de recursos públicos foi mantido com a participação política, administrativa e operacional de integrantes da cúpula do Governo federal e do Partido dos Trabalhadores, como JOSÉ DIRCEU, Ministro- Chefe da Casa Civil; DELÚBIO SOARES DE CASTRO [DELÚBIO SOARES], tesoureiro do PT; SÍLVIO JOSÉ PEREIRA [SÍLVIO PEREIRA], Secretário-Geral do PT; e JOSÉ GENOÍNO NETO [JOSÉ

GENOÍNO], Presidente do PT. O objetivo era negociar apoio político repassando recursos desviados a aliados, pagando dívidas pretéritas do Partido dos Trabalhadores, e custeando gastos de campanha e outras despesas, no que se evidenciou como um nítido esquema partidário, comandado pela cúpula de um partido que ocupava o poder.

Apurou-se lá que o denominado "núcleo político partidário" teria interesse na compra do apoio político que criaria as condições para que o grupo que se sagrou vencedor nas eleições de 2002 se perpetuasse no poder, ao passo que os integrantes do dito "núcleo publicitário" participariam dos desvios e geração de recursos e, a título de remuneração, aufeririam um percentual do numerário que seria entregue aos beneficiários finais do suposto esquema de repasses.

Nesse núcleo publicitário, MARCOS VALÉRIO e seus comparsas, valendo-se de empresas de publicidade (especialmente a SMP&B COMUNICAÇÃO LTDA. e a DNA PUBLICIDADE LTDA.), obtiveram e mantiveram contratos com o Poder Público, a exemplo do BANCO DO BRASIL, visando a geração e repasse de recursos espúrios para financiar os objetivos acima indicados da cúpula do Governo Federal e do PT. A geração de recursos foi promovida também por meio de outros contratos públicos, em relação aos quais foram identificadas várias irregularidades, como no Contrato nº 31/2001 – SMP&B/MINISTÉRIO DOS ESPORTES; no Contrato n.º 12.371/2003 – SMP&B/EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT; e no Contrato n.º 4500002303 – DNA PROPAGANDA/CENTRAIS

ELÉTRICAS DO NORTE DO BRASIL S.A./ELETRONORTE. Também aí se observavam raízes do esquema em diversos órgãos, o que denotava uma origem num núcleo de governo e partidário comum.


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42 ANEXO 30.

43 Importante registrar que outros casos com graves suspeitas de corrupção envolvendo pessoas próximas a algumas das figuras centrais do “Mensalão” também repercutiram na época, como exemplo: (a) em 13/02/2004, uma revista semanal revelou uma gravação em que WALDOMIRO DINIZ, então assessor de JOSÉ DIRCEU, aparecia, em 2002, exigindo vantagens indevidas de um empresário; (b) em 08/07/2005, no Aeroporto de Congonhas em São Paulo, JOSÉ ADALBERTO VIEIRA DA SILVA, assessor do líder petista na Assembleia Legislativa do Ceará – Deputado JOSÉ NOBRE GUIMARÃES, membro do diretório nacional do PT e irmão do presidente nacional da legenda, JOSÉ GENOÍNO, foi detido quando estava embarcando com destino a Fortaleza, portando 209 mil reais na mala e 100 mil dólares dentro da cueca.


Gerados os recursos que aportavam nas empresas de MARCOS VALÉRIO, eles eram em grande parte repassados para a cúpula do Governo federal e do Partido dos Trabalhadores para que fossem utilizados, dentre outros fins, para angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação no Congresso Nacional. Nesse sentido, foram oferecidas e, posteriormente, pagas vultosas quantias a diversos parlamentares federais, de legendas como PP, PL, PTB, e PMDB.

A negociação de cargos públicos de alto escalão, visando à formação de uma base política aliada, era decidida pela cúpula do Governo Federal e do Partido dos Trabalhadores, assim como outras questões que fossem bastante relevantes da Administração Pública Federal e que atraíam muito os interesses de empresários e parlamentares (a exemplo dos contratos milionários de publicidade de estatais). Na denúncia da Ação Penal nº 470, indicou-se que JOSÉ DIRCEU contava com o assessoramento de MARCELO SERENO e de SANDRA CABRAL, ambos Assessores Especiais da Casa Civil, na função de acompanhar as nomeações para os altos cargos do Governo.

Formalizado o acordo criminoso entre o núcleo político do esquema e os dirigentes partidários das legendas interessadas, os pagamentos foram efetuados pelo núcleo publicitário-financeiro44. Dentre os denunciados, destacam-se:

(a) Do PP, foram denunciados o Deputado Federal PEDRO CORRÊA, então Presidente do PP; o Deputado Federal JOSÉ JANENE, vice-líder do partido na Câmara dos Deputados e tesoureiro do PP; e o Deputado Federal PEDRO HENRY, então líder da bancada do PP na Câmara dos Deputados;

(b) Do PL, foram denunciados o Deputado Federal VALDEMAR COSTA NETO, então Presidente Nacional do PL, e líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados; e BISPO RODRIGUES, Vice-Presidente Nacional do partido e Presidente do PL no Estado do Rio de Janeiro;

(c) Do PTB, foram denunciados o Deputado Federal ROBERTO JEFFERSON, então Presidente do partido; e o Deputado Federal ROMEU QUEIROZ, Presidente do PTB em Minas Gerais e Presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados;

(d) Do PMDB, foi denunciado o Deputado Federal JOSÉ RODRIGUES BORBA, líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados.

Alguns desses parlamentares contaram com a ajuda de intermediários da sua estrita confiança para a prática dos crimes: (i) JACINTO LAMAS, que auxiliou VALDEMAR COSTA NETO; (ii) JOÃO CLÁUDIO GENÚ, que auxiliou PEDRO CORRÊA, PEDRO HENRY e JOSÉ JANENE; (iii) EMERSON PALMIERI, que auxiliou ROBERTO JEFFERSON e ROMEU QUEIROZ.

Observa-se que os envolvidos acima citados ocupavam posições-chave de liderança para associar seus partidos à aliança de LULA, assim solidificando uma coalizão heterogênea. Parte desses partidos e desses políticos já tiveram comprovada a sua participação nos esquemas de corrupção revelados na “Operação Lava Jato”, como se verá, o


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44 Conforme consta do voto do Ministro Joaquim Barbosa nos autos da Ação Penal nº 470, diversos parlamentares acusados admitiram o recebimento de dinheiro, Como exemplo, confira-se o seguinte trecho: “ O pagamento de dinheiro aos parlamentares foi admitido por MARCOS VALÉRIO, DELÚBIO SOARES e pelos próprios Deputados Federais acusados (à exceção do Sr. JOSÉ BORBA, que não confessou, embora haja provas do recebimento). Os parlamentares afirmaram que receberam o dinheiro em razão de acordos financeiros firmados com o PT. Segundo confessou DELÚBIO SOARES em seu interrogatório judicial, o Partido dos Trabalhadores repassou “uns R$ 8 milhões de reais” para o PARTIDO PROGRESSISTA (fls. 16.614, vol. 77); em torno de R$ 4 milhões para o PTB (fls. 16.614, vol. 77); “Para o PMDB, na casa de 2 milhões de reais” (fls. 16.614, vol. 77); e, por fim, “o PL, entre 10 a 12 milhões de reais. Esse número deve dar, aproximadamente, 55 milhões de reais. Por aí” (fls. 16.614, vol. 77)”. - ANEXOS 31 a 38.


que aponta no sentido de uma continuidade de um único e imenso esquema criminoso.

No “Mensalão”, evidenciou-se que a compra de apoio político mediante recursos públicos desviados redundou na manifestação favorável a medidas propostas pelo Governo LULA, a exemplo da aprovação da reforma da previdência (PEC 40/2003, sessão do dia 27/08/2003) e da reforma tributária (PEC 41/2003, sessão do dia 24/09/2003). Chegou-se a apontar que agremiações políticas corrompidas se estruturaram em núcleos próprios para viabilizar o cometimento dos crimes de corrupção passiva e lavagem de capitais 45. Registre- se, ainda, que JOÃO PAULO CUNHA, Presidente da CÂMARA DOS DEPUTADOS e membro da coordenação da campanha eleitoral de LULA para Presidência da República em 2002, foi denunciado por fraude no contrato firmado em 2003 entre a Casa Legislativa que presidia e uma empresa de MARCOS VALÉRIO, o que era mais um sinal da verticalização partidária e governamental do esquema.


27. Por ocasião de seu depoimento no âmbito das apurações da Ação Penal nº 47046, ao discorrer sobre o motivo principal da troca de apoio pela indicação no preenchimento de cargos e funções públicas, ROBERTO JEFFERSON explicou que as Diretorias e outros cargos relevantes na administração pública, resultantes da composição político- partidária, tinham a função de arrecadar dinheiro do próprio órgão público, pela sistemática do desvio e superfaturamento, e também de pressionar empresas privadas que se relacionavam com esses órgãos a fazer “doações”. Na PETROBRAS, sob o comando de LULA, não foi diferente. No mesmo sentido de ROBERTO JEFFERSON, aliás, deporiam mais tarde, no âmbito da “Operação Lava Jato”, PAULO ROBERTO COSTA, SERGIO MACHADO e PEDRO CORRÊA.


28. Interessante notar, ainda, a relação próxima de LULA47 com alguns dos


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45 ANEXO 30.

46 ANEXO 30.

47 Conforme consta do voto do Ministro Joaquim Barbosa nos autos da Ação Penal nº 470, LULA confirmou que foi informado acerca da existência dos pagamentos ilícitos objeto da referida ação. Confira-se o seguinte trecho: “A testemunha também confirmou que participou de reunião em que o acusado ROBERTO JEFFERSON informou ao Presidente Lula sobre a existência dos pagamentos. Aliás, todos os interlocutores citados por ROBERTO JEFFERSON – Senhores Arlindo Chinaglia, Aldo Rebello, Walfrido dos Mares Guia, Miro Teixeira, Ciro Gomes e o próprio ex- Presidente da República – confirmaram que foram informados, por ROBERTO JEFFERSON, nos anos de 2003 e 2004, sobre a distribuição de dinheiro a parlamentares para que votassem a favor de projetos do interesse do Governo. Portanto, muito antes da decisão de ROBERTO JEFFERSON de delatar publicamente o esquema. [...] O Sr. Ministro Aldo Rebelo confirmou ter participado dessa reunião (fls. 61/62, Apenso 39): “o Deputado ROBERTO JEFFERSON, de alguma forma, revelou ao presidente que haveria algo parecido com o que depois ele nominou de Mensalão”, ou seja: “que haveria pagamento a parlamentares para que votassem a favor de projetos do governo”. Outros interlocutores confirmaram, como testemunhas nestes autos, que o réu ROBERTO JEFFERSON já havia comentado sobre o pagamento de “mesada” aos Deputados, pelo Partido dos Trabalhadores. O Sr. José Múcio Monteiro disse que, entre o final de 2003 e janeiro de 2004 (fls. 26 do Apenso 39), foi “procurado pelo senhor DELÚBIO, porque este queria me conhecer e também para que eu o colocasse em contato com o Presidente do PTB, Deputado ROBERTO JEFFERSON” (fls. 93 do Ap. 39). Confirmou, também, ter acompanhado o réu ROBERTO JEFFERSON numa audiência com o então Ministro Miro Teixeira, em 2004, na qual o réu “conversou com o Ministro sobre a necessidade de alertar o Presidente da República sobre a existência de mesada no âmbito da Câmara Federal” (fls. 93, Apenso 39). O Sr. Walfrido dos Mares Guia, então Ministro do Turismo pelo PTB, confirmou que o réu ROBERTO JEFFERSON o procurou no princípio de 2004 para “relatar algo grave” e que, num voo para Belo Horizonte, o mesmo réu lhe afirmou: “está havendo essa história de ‘mensalão’”. Afirmou que também esteve presente à reunião em que o réu ROBERTO JEFFERSON afirmou ao então Presidente Lula sobre o mensalão (fls. 65, Apenso 39). Também o Sr. ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao prestar declarações escritas na condição de testemunha nestes autos (fls. 38.629/38.644, vol. 179), confirmou que o réu ROBERTO JEFFERSON falou sobre o repasse de dinheiro a integrantes da base aliada,


condenados no “Mensalão”: (a) JOSÉ DIRCEU, condenado por corrupção ativa, era Ministro de Estado pessoalmente escolhido por LULA como seu verdadeiro “braço direito”, o segundo no comando do país, o qual agia sob direção do primeiro; (b) DELÚBIO SOARES, condenado por corrupção ativa, era tesoureiro do PT durante a campanha e início do mandato presidencial de LULA; (c) HENRIQUE PIZZOLATO, condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, participou da administração de recursos da campanha presidencial de LULA em 2002; (d) JOSÉ GENOÍNO, condenado por corrupção ativa, era Presidente Nacional do PT, tendo sucedido JOSÉ DIRCEU, logo no início do mandato presidencial de LULA; (e) JOÃO PAULO CUNHA, condenado por corrupção passiva e peculato, era filiado ao PT e integrou a coordenação da campanha presidencial de LULA em 2002, após o que foi eleito Presidente da Câmara dos Deputados, em 2003. SILVIO PEREIRA, após denunciado, teve seu processo suspenso e, após cumpridas condições, extinto sem o julgamento do mérito da acusação que pesava contra ele.

Além desses, há outras pessoas que tinham relação próxima com LULA no contexto da negociação de apoio político que se instalou em favor do governo do próprio LULA: (f) os Deputados Federais JOSÉ JANENE (falecido), PEDRO CORRÊA, e PEDRO HENRY (os dois últimos condenados por corrupção passiva), eram dirigentes do PP que, até o segundo turno das eleições presidenciais de 2002, não apoiavam LULA, mas passaram a apoiá-lo no início de seu mandato; (g) o Deputado Federal VALDEMAR COSTA NETO, condenado por corrupção passiva, era Presidente Nacional do PL e líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados, sendo o dirigente máximo do partido que integrou a coligação que elegeu LULA Presidente da República; (h) o Deputado Federal ROBERTO JEFFERSON, condenado por corrupção passiva, era o Presidente Nacional do PTB; e (i) o Deputado Federal JOSÉ RODRIGUES BORBA, condenado por corrupção passiva, era o líder do PMDB na Câmara dos Deputados.

Ou seja, estiveram diretamente envolvidos com os fatos denunciados na Ação Penal nº 470 (como corrupção e lavagem de dinheiro): Ministro de Estado e “braço direito” escolhido por LULA como o segundo homem mais poderoso do Governo; integrantes do PT com os quais LULA manteve contato por anos dentro do partido e que ocuparam cargos de relevância na sua campanha presidencial; dirigentes de partidos, como o PL, que apoiavam LULA desde a campanha eleitoral; dirigentes de partidos, como o PP e PMDB, que passaram a apoiar LULA após iniciado o mandato presidencial; e líderes das maiores bancadas apoiadoras de LULA dentro do Câmara dos Deputados (PT e PMDB). É interessante observar que, quando o “Mensalão” veio à tona, a reação de LULA não foi típica de quem foi traído pelo seu braço direito e pelos grandes líderes partidários que o apoiavam no comando do partido. Não buscou a apuração do que aconteceu nem revelou indignação com os crimes praticados. Pelo contrário, encampou uma campanha de proteção dos correligionários que praticaram crimes, bem como de negação e dissimulação da corrupção multimilionária que foi comprovada perante o Supremo Tribunal.


29. Pois bem. As apurações empreendidas no âmbito da denominada “Operação Lava Jato” permitem concluir que os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, verificados no centro da Administração Pública Federal, não estiveram restritos ao que se identificou no “Mensalão”. De fato, os desvios de dinheiro público para comprar apoio parlamentar, financiar campanhas e enriquecer ilicitamente agentes públicos e políticos não estiveram restritos a um núcleo de empresas de publicidade e de bancos apontados na Ação Penal nº


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razão pela qual solicitou que os Srs. Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia apurassem os fatos.”. - ANEXOS 31 a 38.


470. Na verdade, avançaram sobre diversos outros segmentos públicos e privados no Brasil, inclusive sobre a PETROBRAS, a ELETRONUCLEAR, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, o MINISTÉRIO DA SAÚDE e o MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, na linha do que ROBERTO JEFFERSON havia declarado. Com as investigações em plena expansão, há indicativos de que o esquema de corrupção sistêmica se espalhou, em metástases, para diversos outros órgãos públicos federais, como veremos a seguir.



LULA no vértice de diversos esquemas criminosos