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Presidencialismo de coalizão deturpado


18. Dentro do “presidencialismo de coalizão”19, a formação da base aliada do Governo envolve três momentos típicos. Primeiro, a constituição da aliança eleitoral, que requer negociação em torno de diretivas programáticas mínimas, a serem observadas após a eventual vitória eleitoral. Segundo, a constituição do governo, no qual predomina a distribuição de cargos e compromissos relativos a um programa mínimo de governo. Finalmente, a transformação da aliança em coalizão efetivamente governante, momento em que emerge o problema da formulação da agenda real de políticas e das condições de sua implementação. Numa estrutura multipartidária, o sucesso das negociações, na direção de um acordo explícito entre o Poder Executivo e os integrantes do Poder Legislativo, que aprova as leis que concretizam o plano de governo, é decisivo para capacitar o sistema político a atender demandas políticas, sociais e econômicas.

Conforme descrito acima, a estratégia de atuação de LULA e seus auxiliares próximos visava à atuação conjunta e cooperativa na disputa eleitoral, envolvendo não só o PT, partido de LULA, mas também outras agremiações políticas. No segundo turno das eleições, porém, foi necessário que a campanha buscasse o apoio de outras legendas para que a base de sustentação fosse forte o suficiente, sendo prometido, aos partidos que não compunham originalmente a coligação que, em caso de vitória, essas agremiações teriam espaço e integrariam a base aliada do novo Governo. Em outras palavras, essa articulação, em que LULA, candidato, e JOSÉ DIRCEU, coordenador da campanha, eram figuras centrais, foi essencial para que houvesse suporte político para o sucesso no pleito eleitoral. Como mencionado acima, após as eleições, representantes de partidos políticos que apoiaram a campanha presidencial de LULA tomaram posse como Ministros de Estado.


19. No entanto, esse ajuste se revelou insuficiente para conquistar ampla maioria dentro de um Congresso Nacional multipartidário e, assim, garantir a governabilidade do Chefe do Poder Executivo. Com efeito, ao cabo das eleições, os partidos políticos que haviam se comprometido em apoiar a candidatura de LULA não formavam uma maioria confortável nas Casas do Congresso Nacional20-21. No início de 2003, havia 259 Deputados Federais e 50 Senadores da República de oposição, ante 254 deputados Federais e 31 Senadores da República da base aliada ao Governo Federal22.


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19 A expressão “presidencialismo de coalizão” foi cunhada em artigo escrito pelo cientista político Sérgio Abranches, publicado ainda durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte [ABRANCHES, Sérgio Henrique. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 31 (1988), p. 3 a 34]. No texto, Sérgio Abranches destaca que o “Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o "presidencialismo imperial", organiza o Executivo com base em grandes coalizões”. Esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira, designado "presidencialismo de coalizão", reflete a realidade de um país presidencialista em que a fragmentação do poder parlamentar entre vários partidos obriga o Presidente, para governar, a costurar uma ampla maioria no Congresso Nacional, frequentemente problemática e não necessariamente alinhada ideologicamente.

20 ANEXO 10 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/congresso_nacional- senado.shtml>.

21 ANEXO 11 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/congresso_nacional- camara_dos_deputados.shtml>.

22 ANEXO 12 – Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2011/02/congresso-toma-posse-com-


20. Naquele momento, para melhor implementar as medidas atinentes ao seu programa de governo e garantir sua empreitada criminosa, LULA precisava angariar maior apoio dentro da Câmara dos Deputados e do Senado Federal23. Assim, a indicação política para altos postos da Administração Pública Federal tinha por objetivo viabilizar a participação no Governo dos partidos políticos da base aliada, mantendo sob controle direto os grandes contratos públicos, como forma de angariar vantagens indevidas, assegurando apoio político.

Normalmente, ao alcançar uma coalizão mais ampla, integrantes dos partidos aliados poderiam participar não apenas dos projetos políticos no Congresso, mas também da execução desse plano de governo comum, mediante a sua vinculação com cargos estratégicos. Essa base política aliada, também integrando o Governo, auxiliaria a manutenção e ampliação de uma maioria nas casas parlamentares, o que permitiria a aprovação de projetos de lei de que dependia a execução do plano de governo do Presidente da República.


21. No entanto, de forma contrária, em vez de buscar apoio político por intermédio do alinhamento ideológico, LULA comandou a formação de um esquema criminoso de desvio de recursos públicos destinados a comprar apoio parlamentar de outros políticos e partidos, enriquecer ilicitamente os envolvidos e financiar caras campanhas eleitorais do PT em prol de uma permanência no poder assentada em recursos públicos desviados. A motivação da distribuição de altos cargos na Administração Pública Federal excedeu a simples disposição de cargos estratégicos a agremiações políticas alinhadas ao plano de governo. Ela passou a visar à geração e à arrecadação de propina em contratos públicos.

Restou comprovado que determinados agentes políticos, guiados por interesses escusos, fecharam os olhos para projetos de governo, em troca do direito de fazer indicações de pessoas de sua confiança para cargos públicos. Nesse esquema, os apadrinhados que assumiram altos cargos da Administração Pública serviam aos interesses escusos de seus padrinhos políticos, inclusive arrecadando propinas. Assim, dentro de um sistema criminoso bastante conhecido nas sombras do poder, objetivava-se, na realidade, permitir que os agentes políticos responsáveis pelas indicações colocassem nos cargos pessoas comprometidas com a arrecadação de propina.

Assim, LULA, com o apoio de JOSÉ DIRCEU e de diversas outras pessoas de sua grande confiança, lançou mão da distribuição de centenas de cargos de direção em Ministérios, Secretarias, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, assim como dos

18.374 cargos de confiança já previstos desde o governo anterior24.

Importante frisar que a distribuição de cargos para arrecadar propina não teve por propósito único garantir a governabilidade, mas objetivou também a perpetuação no poder do próprio partido do então Presidente da República (com a majoritária distribuição de cargos), e o enriquecimento espúrio de todos (tanto que expressiva porcentagem da propina foi direcionada a funcionários públicos e agentes políticos).


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23 Dentro da forma de relacionamento entre Poder Executivo e Poder Legislativo estabelecida no Brasil, chamada de presidencialismo de coalizão, era natural que, em busca da governabilidade, o Poder Executivo buscasse o apoio de integrantes de outros partidos. Nesse encadeamento, era esperado também que o Presidente compartilhasse o poder, com distribuição interpartidária de cargos de Governo e, assim, atingisse a governabilidade e conseguisse, como consequência, aprovar medidas legislativas no Congresso.

24 ANEXO 13 – Conforme se verifica na seguinte reportagem: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-03- 27/governos-petistas-criaram-45-mil-cargos-comissionados-no-governo-federal.html>


Portanto, a ânsia de ganhar rapidamente o máximo de apoio no Congresso e o desejo de perpetuar o PT no Poder – não só no Executivo federal como em outros níveis de governo em que as campanhas seriam alimentadas com dinheiro criminoso – moveram LULA, auxiliado por JOSÉ DIRCEU, na orquestração de uma sofisticada estrutura ilícita de compra de apoio parlamentar. De fato, a arrecadação de propinas, assentada na distribuição de cargos públicos, permitiu o direcionamento de vantagens indevidas a agentes e partidos políticos, funcionários públicos, operadores financeiros e empresários, dando origem a um esquema criminoso revelado, parte na ação penal relativa ao “Mensalão” e parte nas ações penais da “Operação Lava Jato”.


22. Os indicados para os altos cargos da República cumpriam o compromisso assumido com seus padrinhos, políticos e partidos, de “prestar favores” a particulares no exercício de suas funções públicas e, em contrapartida, obtinham dos “favorecidos”, não raro grandes empresas e empreiteiras contratadas pelo Estado, o repasse de centenas de milhões de reais em vantagens indevidas25.

Dentro dessa engrenagem perniciosa, recursos espúrios foram gerados pelo desvio e má aplicação de verbas públicas e, em seguida, utilizados para proporcionar o enriquecimento ilícito de agentes públicos e políticos, empresários e operadores financeiros, e para financiar campanhas eleitorais milionárias do próprio PT ou de partidos aliados.


23. Essa articulação, iniciada logo no começo de 2003, mostrou-se eficiente na obtenção do apoio dentro da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Com a distribuição de cargos realizada pela Casa Civil, comandada por JOSÉ DIRCEU, em maio daquele ano, já se registrava que o número de Deputados Federais dos partidos da base de apoio ao Governo de LULA chegava a 32526, um número muito maior aos 254 que originalmente tinham lhe conferido apoio. No final de 2003, dos 15 partidos representados na Câmara dos Deputados, 11 apoiavam LULA. Esse grupo reunia 376 Deputados Federais, ou cerca de 73% da Casa. Em relação à base parlamentar no início da legislatura, o Governo incorporou o apoio, dentre outros, do PMDB e do PP, que reuniam mais de 120 Deputados Federais27.


24. Para angariar o apoio dos agentes políticos do PMDB, ainda em 2003, houve indicações, dentre outras com a anuência de LULA, para o cargo de líder do Governo no Congresso28; para o cargo de embaixador do Brasil em Portugal29; e de SÉRGIO MACHADO (PMDB-CE) para a presidência da TRANSPETRO30-31-32. Na época, o então presidente da PETROBRAS admitiu que o cargo de presidente da TRANSPETRO foi oferecido ao PMDB em troca do apoio do partido ao Governo, cargo esse que, mais tarde, teria seu uso para



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25 ANEXO 14 –Termo de declarações prestado por PEDRO CORRÊA, em 01/09/2016.

26 ANEXO 15 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1505200302.htm>. 27 ANEXO 16 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u56811.shtml>. 28 ANEXO 17.

29 ANEXOS 18 e 19.

30 ANEXO 20 – Relatório de Informação nº 172/2016 elaborado pela Assessoria de Pesquisa e Análise – ASSPA/PRPR.

31 ANEXO 15 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1505200302.htm>.

32 ANEXO 21 – Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2003-06-17/sergio-machado-e- nomeado-novo-presidente-da-transpetro>.


arrecadar propinas comprovado33.

Da mesma forma, para obter o suporte dentro do Parlamento de políticos ligados ao PP, no início do Governo LULA, foram indicados pela legenda mandatários para cargos de destaque dentro da Administração Pública Federal, como para a Diretoria Comercial do INSTITUTO DE RESSEGUROS DO BRASIL [IRB]34; para o cargo de Secretário de Ciência e Tecnologia35; e para a Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS (no caso, PAULO ROBERTO COSTA)36-37-38-39.

LULA passou, então, a contar, dentro da Câmara dos Deputados, não só com o apoio de seu partido, o PT, mas também da terceira e quinta maiores bancadas da Casa, formadas pelo PMDB e PP40. Dessa maneira, a atuação do Congresso Nacional esteve alinhada às prioridades e projetos definidos pelo então Presidente da República: entre fevereiro de 2003 e abril de 2004, as casas legislativas tornaram lei 82 propostas, sendo 68 delas (82,9%) de iniciativa do Poder Executivo e somente 14 (17,1%) de autoria do Poder Legislativo41.


25. Nesse contexto, conforme será melhor explicitado abaixo, tão logo LULA viabilizou, em troca da “aquisição” de um criminoso apoio político, que importantes Diretores da PETROBRAS fossem nomeados para atender os interesses de arrecadação de propinas dele próprio e de outros integrantes do PT, PP e PMDB, tais agentes passaram a servir na Estatal como instrumentos para a consecução desses múltiplos interesses.

Com efeito, se no exercício de suas funções RENATO DUQUE, PAULO ROBERTO COSTA, NESTOR CUÑAT CERVERÓ [NESTOR CERVERÓ] e JORGE ZELADA, quando eram

Diretores da PETROBRAS, gestionavam intensamente para que fossem atendidas demandas e resolvidos problemas de empresas contratadas pela PETROBRAS, também solicitavam das empresas favorecidas, na exata medida em que atendiam seus interesses e de seus padrinhos políticos, repasses de vantagens indevidas para si e para os integrantes dos partidos políticos que lhes sustentavam no cargo, quais sejam, PT, PMDB e PP.

Além disso, parte desses valores espúrios foi direcionada às próprias agremiações partidárias mediante doações feitas apenas formalmente de acordo com as leis, ou mediante outras operações de lavagem de dinheiro.

Antes de adentrar especificamente nas ilicitudes praticadas por LULA e pelos demais integrantes da organização criminosa que atuou em detrimento da PETROBRAS, considerando a absoluta similitude entre o esquema criminoso que se instalou e vilipendiou essa Estatal com o esquema criminoso do “Mensalão” (ambos foram esquemas de compra de


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33 ANEXO 22 – Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/795/noticias/contratos-de- risco-m0052145>.

34 ANEXO 23.

35 ANEXO 24.

36 ANEXO 25.

37 ANEXO 26 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2506200520.htm>. 38 ANEXO 27 – Disponível em: <http://istoe.com.br/7001_O+PROFESSOR+DO+MENSALAO/>.

39 ANEXO 28 – Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG70744-6009,00- UMA+SOMBRA+INCOMODA.html>.

40 ANEXO 16 – Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u56811.shtml>.

41 Destaque-se que esse número de propostas de lei não engloba aquelas referentes a assuntos orçamentários (majoritariamente de iniciativa do Poder Executivo), e aquelas de iniciativa de Tribunais e do Procurador-Geral da República. – ANEXO 29.


apoio político e de enriquecimento ilícito de agentes públicos e particulares com dinheiro público), é oportuno que sejam tecidas algumas considerações sobre este.



Mensalão e Lava Jato: faces de uma mesma moeda