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O grande cartel de empreiteiras
96. A partir de 2003, com a assunção da Presidência da República por LULA e a nomeação, por sua vontade, de PAULO ROBERTO COSTA, RENATO DUQUE, PEDRO BARUSCO e NESTOR CERVERÓ para cargos estratégicos na PETROBRAS, um cartel de empreiteiras que antes existia de modo mais tímido ganhou forças e se estruturou melhor para defraudar certames na Estatal. Contudo, é importante reconhecer que não foi nesse período que ele foi criado. De fato, esse cartel ou “clube” de grandes empreiteiras preexistia ao Governo do PARTIDO DOS TRABALHADORES. É possível afirmar que, embora com atuação mais acanhada, ele funcionava pelo menos desde 1990145.
145 Nesse sentido, destacam-se, em especial, o depoimento do colaborador AUGUSTO RIBEIRO DE MENDONÇA NETO (Termo de Colaboração nº 01 – ANEXO 97) e a nota técnica nº 38/2015/ASSTEC/SG/SGA2/SG/CADE, elaborada pelo CADE em relação ao cartel de empreiteiras que atuaram na Petrobras (disponível em
<http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?0a75bImSo-
97. Ao longo da história desse cartel que atuou no mercado de obras da PETROBRAS sua composição variou. Em uma primeira fase, que perdurou até meados da década de 2000, o cartel das empreiteiras, batizado de “CLUBE”, era formado pelos seguintes grupos empresariais: 1) ODEBRECHT, 2) UTC, 3) CAMARGO CORREA, 4) TECHINT, 5) ANDRADE GUTIERREZ, 6) MENDES JÚNIOR, 7) PROMON, 8) MPE e 9) SETAL – SOG.
98. Contudo, após certo período de funcionamento, o “CLUBE” de grandes empreiteiras verificou a necessidade de contornar alguns empecilhos para que o cartel pudesse funcionar de forma ainda mais eficiente. Nesse sentido, uma das medidas tomadas pelas empresas cartelizadas foi a de cooptar, mediante corrupção, funcionários de alto escalão da PETROBRAS que, por suas posições funcionais na estatal, tinham poder suficiente para zelar pelos interesses das cartelizadas. Para tanto, encontraram um ambiente propício para as promessas escusas.
Segundo o acima descrito, o esquema de corrupção tinha por intuito beneficiar não apenas os Diretores da PETROBRAS, mas também os partidos e agentes políticos responsáveis pela indicação e manutenção desses funcionários públicos nos cargos. Rememore-se, por exemplo, que PAULO ROBERTO COSTA ingressou na Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS, em 14/05/2004, por meio de acerto entre LULA e integrantes do PP, especialmente JOSÉ JANENE, PEDRO CORRÊA e PEDRO HENRY146-147. Caso não honrasse o compromisso de arrecadar propinas148, PAULO ROBERTO COSTA seria eventualmente destituído do cargo149.
Como integrantes de partidos políticos definiam previamente com os funcionários públicos e, direta ou indiretamente, com as empreiteiras cartelizadas percentuais de propina que seria paga em razão dos contratos celebrados com a PETROBRAS, havia um quadro favorável ao oferecimento de vantagens indevidas aos empregados da Estatal indicados pelas agremiações partidárias. Esses acertos não excluíam os ajustes que ocorreram diretamente entre as empresas e os próprios funcionários públicos.
Nessa toada, as empresas cartelizadas participantes do “CLUBE”, já previamente ajustadas com partidos e agentes políticos, firmaram também com os funcionários da PETROBRAS, como RENATO DUQUE e PAULO ROBERTO COSTA, um compromisso com promessas mútuas ilícitas. Prometia-se o pagamento de propinas como contrapartida por atos favoráveis à existência e funcionamento do Cartel.
Assim, nesse período, por volta de 2004, o cenário estava bastante propício para o desenvolvimento de um grande esquema de corrupção. Se de um lado interessava aos grandes empreiteiros conluiados cooptar agentes públicos do alto escalão da PETROBRAS para otimizar o funcionamento do cartel, os recém-nomeados Diretores PAULO ROBERTO COSTA, RENATO DUQUE, PEDRO BARUSCO e NESTOR CERVERÓ estavam plenamente
motivados em arrecadar recursos ilícitos para os agentes públicos do PT e do PP que os tinham alçado ao poder, dentre os quais LULA, JOSÉ DIRCEU, PEDRO CORRÊA e JOSÉ JANENE.
_MSRVNiRnCDiLCVWZwRgjoxjqTYk7rZKFYH2Xii8AbVDjSFs-cy0mq7GuxbtZ9aeqAk0EWi2AA0w,,>, acesso em 13/06/16), no processo administrativo nº 08700.002086/2015-14, conforme depoimentos de executivos da SOG/SETAL (como o próprio AUGUSTO RIBEIRO MENDONÇA) e da CAMARGO CORREA (ANEXOS 98 a 101).
146 Autos n. 5083351-89.2014.404.7000, Evento 606 e Evento 654, TERMO1 – ANEXOS 102 e 103.
147 Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,indicado-pelo-pp-de-maluf-assumira-diretoria- da-petrobras,20040506p35904> – ANEXO 104.
148 Autos n. 5083351-89.2014.404.7000, Evento 606, e Evento 654, TERMO1 – ANEXOS 102 e 103.
149 Termo de Colaboração nº 01 prestado por PAULO ROBERTO COSTA – ANEXO 105.
99. Iniciou-se, neste contexto, o sistemático oferecimento, promessa e pagamento de vantagens indevidas aos funcionários das Diretorias de Serviços, Abastecimento e Internacional da PETROBRAS, RENATO DUQUE, PEDRO BARUSCO, PAULO ROBERTO COSTA e NESTOR CERVERÓ (substituído, mais tarde, JORGE ZELADA), bem como aos agentes políticos que os apoiavam, os quais aceitavam e recebiam tais valores em troca de garantir que os intentos do grupo criminoso fossem atingidos na Estatal 150. Nessa fase, por vezes, agentes públicos e políticos (como, PAULO ROBERTO COSTA e, no âmbito do PP, JOSÉ JANENE), reuniam-se com as empresas contratadas para alinhar e cobrar os percentuais de propina que seria paga em razão dos contratos da PETROBRAS151.
100. Outro obstáculo superado pelo “CLUBE” relacionava-se ao fato de que nele não estavam contempladas algumas das grandes empreiteiras brasileiras. Por isso, mesmo com os ajustes entre si e mediante auxílio dos funcionários corrompidos da PETROBRAS, persistia ainda certa concorrência em alguns certames para grandes obras da Estatal. Tal cenário tornou-se mais crítico no momento em que houve significativo incremento na demanda de grandes obras da petrolífera.
Por conta disso, a partir do ano de 2006, admitiu-se o ingresso de outras companhias no denominado “CLUBE”, o qual passou a ser composto por 16 (dezesseis) empresas. Diante disso, mais sete grupos empresariais passaram a integrar o “CLUBE”: 10) OAS; 11) SKANSKA, 12) QUEIROZ GALVÃO, 13) IESA, 14) ENGEVIX, 15) GDK e 16) GALVÃO
ENGENHARIA. No que tange especificamente à OAS, como referido por AUGUSTO MENDONÇA152 e demonstrado nos autos 5083376-05.2014.4.04.7000153, as ações criminosas, incluindo a participação no Cartel, eram comandadas pelo presidente LÉO PINHEIRO e pelo Diretor AGENOR MEDEIROS.
101. Além dessas empresas componentes do que se pode denominar de “núcleo duro” do Cartel154, havia construtoras que, apesar de não participarem de todas as reuniões do “CLUBE”, com ele mantinham permanente canal de comunicação, negociando, nas obras de sua preferência, ajuste fraudatório à concorrência, bem como pagamento de propina aos funcionários corrompidos da PETROBRAS e correspondentes agremiações políticas. Assim agindo, essas empresas tanto venceram licitações mediante prévio acerto cartelizado como ofereceram “propostas coberturas” em outros casos. Nessa situação, foram identificadas as empresas ALUSA, FIDENS, JARAGUA EQUIPAMENTOS, TOMÉ ENGENHARIA, CONSTRUCAP, CARIOCA ENGENHARIA, SCHAHIN e SERVENG155.
150 Conforme consignado no Termo de Declarações nº 1 de AUGUSTO MENDONÇA “[…] QUE um pouco antes da participação direta do declarante no “CLUBE”, durante o ano de 2004, esclarecendo que antes disso, a SETAL CONSTRUÇÕES já participava, mas por intermédio do sócio GABRIEL ABOUCHAR, o “CLUBE” estabeleceu uma relação com o Diretor de Engenharia da PETROBRÁS, RENATO DUQUE (Fase 3), para que as empresas convidadas para cada certame fossem as indicadas pelo “CLUBE”, de maneira que o resultado pudesse ser mais efetivo […]” (Autos n. 5073441-38.2014.404.7000, evento 1, TERMOTRANSCDEP4 – ANEXO 97).
151 Autos n. 50833518920144047000, Evento 606, e Evento 654, TERMO1 – ANEXOS 102 e 103.
152 Termo de colaboração nº 01 de AUGUSTO RIBEIRO DE MENDONÇA NETO (ANEXO 97). 153 Sentença juntada como ANEXO 106.
154 O chamado “CLUBE”, que à época passou a ser referido como “CLUBE DOS 16”.
102. Assim organizadas, tais empresas, em geral sob a coordenação do Diretor da UTC ENGENHARIA, RICARDO PESSOA156, realizavam reuniões presenciais, em sua maioria nas sedes da UTC, em São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que também ocorreram algumas na sede da QUEIROZ GALVÃO157. Tais reuniões eram realizadas com a finalidade de promover verdadeiro “loteamento” das licitações lançadas pela PETROBRAS, com as empresas cartelizadas dividindo entre si quais seriam as vencedoras de cada certame e quais delas apresentariam “propostas coberturas”, em valores superiores aos apresentados pela empresa escolhida pelo Cartel, com a única finalidade de conferir aparência de regularidade ao procedimento concorrencial.
Embora não fosse lavrada uma ata formal de cada encontro, por vezes, os próprios participantes realizavam anotações sobre as decisões tomadas na reunião, consoante demonstram os manuscritos entregues espontaneamente por AUGUSTO MENDONÇA em decorrência do acordo de colaboração que celebrou com o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL158. A título de exemplo, vejam-se as anotações manuscritas de reunião realizada no dia 29/08/2008, feitas por MARCUS BERTI da empresa SOG ÓLEO E GÁS159. Nesse documento foram anotadas reclamações, pretensões e ajustes de várias das empresas cartelizadas com relação a grandes obras da PETROBRAS. Deste material também se depreende a informação de que o próximo encontro ocorreria no dia “25/09”, o que retrata a periodicidade mensal com que tais reuniões ocorriam.
103. O desenvolvimento das atividades do cartel alcançou, em 2011, tamanho grau de sofisticação que seus integrantes estabeleceram entre si um verdadeiro “roteiro” ou “regulamento” para o seu funcionamento, intitulado dissimuladamente de “Campeonato Esportivo”. Esse documento, ora anexado160, foi entregue pelo colaborador e já denunciado AUGUSTO MENDONÇA161, representante de uma das empresas cartelizadas, a SETAL (SOG OLEO E GÁS), e prevê, de forma analógica a uma competição esportiva, as “regras do jogo”, estabelecendo o modo pelo qual selecionariam entre si a empresa, ou as empresas em caso de Consórcio, que venceria(m) os certames da PETROBRAS no período.
104. Ademais, vários documentos, apreendidos na sede da empresa ENGEVIX, confirmam essa organização e dissimulação no cartel. Em papel intitulado “reunião de bingo”, por exemplo, são indicadas as empresas que deveriam participar de licitações dos diferentes contratos do COMPERJ, enquanto no papel intitulado “proposta de fechamento do bingo fluminense”, são listados os “prêmios” (diferentes contratos do COMPERJ) e os “jogadores” (diferentes empreiteiras). Em outro documento, uma “lista de novos negócios (mapão) – 28.09.2007 (...)”, são indicadas obras das diferentes refinarias, em uma tabela, e uma proposta de quem seriam as construtoras do cartel responsáveis, as quais são indicadas por siglas em vários casos dissimuladas. Há várias outras tabelas representativas da divisão de mercado162, como, por exemplo, aquela chamada “avaliação da lista de compromissos”163.
156 Denunciado nos autos nº 5083258-29.2014.404.7000.
158 ANEXOS 108, 109 e 110.
159 ANEXO 108.
160 ANEXO 111.
161 Denunciado nos autos n° 5012331-04.2015.4.04.7000 e nº 5019501-27.2015.404.7000.
162 Todas no ANEXO 112: Itens nº 02 a 09 do Auto de Apreensão da Engevix.
163 Autos 5053845-68.2014.404.7000, evento 38, APREENSAO9, fls. 04/30. - ANEXO 112.
105. O cartel atuou de forma plena e consistente, ao menos entre os anos de 2004 e 2013, interferindo nos processos licitatórios de grandes obras da PETROBRAS a exemplo da REPAR – Refinaria Presidente Vargas, localizada em Araucária/PR, Refinaria Abreu Lima – RNEST, COMPERJ, Refinaria Alberto Pasqualini – REVAP, Refinaria Presidente Bernardes
106. A participação no cartel permitia, assim, que fosse fraudado o caráter competitivo das licitações da PETROBRAS, com a obtenção de benefícios econômicos indevidos pelas empresas cartelizadas. O crime em questão conferia às empresas participantes do “CLUBE” e às participantes com elas acordadas ao menos as seguintes vantagens:
a) os contratos eram firmados por valores superiores aos que seriam obtidos em ambiente de efetiva concorrência, ou seja, permitia a ocorrência de sobrepreço no custo da obra;
b) podiam escolher as obras que fossem de sua conveniência realizar, conforme a região ou aptidão técnica, afastando-se a competitividade nas licitações dessas obras;
d) eliminavam a concorrência por meio de restrições e obstáculos à participação de empresas alheias ao “CLUBE” e aos acordos por ele formados.
107. No que se refere ao sobrepreço das obras em relação ao valor que seria obtido em ambiente de efetiva concorrência, deve-se observar que, a fim de balizar a condução de seus processos licitatórios, a PETROBRAS estima, interna e sigilosamente, o valor total da obra. Além disso, a Estatal estabelece, para fins de aceitabilidade das propostas dos licitantes interessados, uma faixa de valores que varia entre -15% (“mínimo”) até +20% (“máximo”) em relação a tal estimativa.
5012331-04.2015.404.7000, | 5036518-76.2015.4.04.7000, | 5001580-21.2016.4.04.7000, | 5083401-18.2014.404.7000, |
5020227-98.2015.404.7000, | 5023135-31.2015.404.7000, | 5039475-50.2015.404.7000, | 5022179-78.2016.404.7000, |
5083351-89.2014.404.7000, | 5007326-98.2015.404.7000, | 5019501-27.2015.404.7000, | 5023162-14.2015.404.7000, |
5023121-47.2015.404.7000 e 5029737-38.2015.404.7000.
108. Conforme já apurado pelo TCU166 e também pela PETROBRAS, a partir de Comissões Internas de Apuração constituídas para analisar os procedimentos de contratação adotados na implantação da Refinaria Abreu e Lima – RNEST167, em Ipojuca/PE, e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ)168, em Itaboraí/RJ, a atuação em cartel possibilitou que os valores das propostas das empresas vencedoras do certame via de regra tenham se aproximado do valor máximo (“teto”) das estimativas elaboradas pela Estatal, em alguns casos até mesmo o superando.
109. Mais recentemente, em acórdão lavrado pelo TCU, estimou-se que a atuação cartelizada perante a PETROBRAS implicou prejuízos à Estatal que podem chegar aos R$ 29 bilhões169. Do mesmo modo, os prejuízos decorrentes do cartel que se instalou contra a PETROBRAS foram estimados, em laudo emitido pelo Departamento Técnico da Polícia Federal170, na ordem de R$ 42 bilhões de reais.
110. Todas as vantagens mencionadas, de caráter nitidamente econômico, constituíam o proveito obtido pelas empresas com a prática criminosa da formação de cartel e fraude à licitação. O produto desse crime, além de ser contabilizado para o lucro das empresas, também servia em parte para os pagamentos (propina) feitos aos empregados públicos da PETROBRAS e a terceiros (operadores, agentes políticos e partidos políticos), por via dissimulada, conforme adiante será descrito.