< Anterior | Conteúdo | Avançar >

A estruturação de um grande esquema criminoso na PETROBRAS


87. O desenvolvimento da “Operação Lava Jato” permitiu que fosse desvelado um grande esquema criminoso que se assentou na PETROBRAS e ensejou a prática sistemática de crimes licitatórios, de corrupção, de lavagem de dinheiro, assim como a atuação de um grande e poderoso Cartel. Esse grande esquema, que teve suas bases estruturadas a partir da nomeação de Diretores da PETROBRAS mancomunados com agentes políticos, encontrou no mercado empresários e operadores financeiros ávidos por maximizar enormemente os seus lucros, mesmo que absolutamente à margem da lei.

Enquanto os funcionários públicos, empregados da PETROBRAS, buscavam o apoio político necessário para serem alçados aos maiores postos dentro da Companhia, os agentes políticos almejavam ser usuais destinatários de repasses de propinas decorrentes dos grandes contratos da PETROBRAS. Os empresários, por sua vez, objetivavam majorar seus lucros, tanto por meio da defraudação da competitividade de grandes certames, quanto por intermédio da obtenção de favores dos agentes públicos e políticos corrompidos nos


image

da Área Internacional; QUE Lobão informou que o presidente LULA sabia desse acordo, mas a substituição teria que ocorrer; QUE foi efetivamente substituído em 03/03/2008, tendo sido nomeado, na mesma data, Diretor Financeiro da BR DISTRIBUIDORA. […] QUE naquela tarde foi comunicado por DUTRA que seria o novo Diretor Financeiro da BR DISTRIVUIDORA; QUE na reunião LULA teria questionado sobre o destino de CERVERÓ; QUE DUTRA informou desse cargo vago, sendo que LULA informou que o cargo estaria disponível para o depoente, caso tivesse interesse; QUE foi informado que essa nomeação seria em retribuição ao fato de ter liquidado a dívida da SCHAIN através do contrato de operação da VITORIA 10.000; QUE SANDRO TORDIN já havia dito ao depoente que sua atuação nessa operação seria um grande trunfo; QUE a nomeação foi aprovada pelo Conselho da PETROBRAS em pauta axilar; QUE pela manhã entrou a pauta da substituição na Diretoria Internacional e pela tarde de nomeação para Diretoria Financeira da BR DISTRIBUIDORA.ANEXO 90.

140 Termo de declarações prestado por FERNANDO ANTONIO FALCÃO SOARES, em 01/09/2016 ANEXO 45. 141 Parte dos ilícitos praticados em decorrência desse contrato foram objeto da ação penal de nº 5083838- 59.2014.404.7000, julgada em 17/08/2015, conforme sentença penal condenatória anexa (ANEXO 96).


contratos celebrados com a Estatal. Os operadores financeiros, por fim, verdadeiros elos entre os empresários, agentes públicos e políticos, buscavam lucrar no exercício da lavagem profissional de capitais.


88. Assim, é possível dizer que a grande organização criminosa que se estruturou com a finalidade de praticar delitos no seio e em desfavor da PETROBRAS compreendia quatro núcleos fundamentais, a seguir ilustrados na figura de uma pirâmide, na qual o núcleo político está no topo e os outros três estão na base:



image


89. O núcleo político, formado principalmente por parlamentares, ex- parlamentares e integrantes dos diretórios das agremiações partidárias, já teve seu funcionamento parcialmente descrito nos parágrafos acima. Trata-se do núcleo responsável por indicar e dar suporte à permanência de funcionários corrompidos da PETROBRAS em seus altos cargos, em especial os Diretores, recebendo, em troca, vantagens indevidas pagas pelas empresas contratadas pela sociedade de economia mista. As provas já angariadas nas investigações indicam que o núcleo político que atuou nesse esquema criminoso contra a PETROBRAS era composto, principalmente, por políticos do PT, PP e PMDB, assim como pessoas a eles relacionadas.


90. O núcleo empresarial, integrado por administradores e agentes das maiores empreiteiras do Brasil, voltava-se à prática de crimes; de cartel e licitatórios contra a PETROBRAS; de corrupção dos funcionários desta e de representantes de partidos políticos que lhes davam sustentação; bem como à lavagem dos ativos havidos com a prática destes


crimes. Esse cartel teve composição variável no tempo, mas é certo que, ao menos durante algum período, dele participaram as seguintes empresas: OAS, ODEBRECHT, UTC, CAMARGO CORREA, TECHINT, ANDRADE GUTIERREZ, PROMON, SKANSKA, QUEIROZ GALVÃO, IESA, ENGEVIX, GDK, MPE, GALVÃO ENGENHARIA, MENDES JUNIOR e SETAL.


91. O núcleo administrativo, integrado por PAULO ROBERTO COSTA, RENATO DUQUE, PEDRO BARUSCO, NESTOR CERVERÓ, JORGE ZELADA (sucessor de CERVERÓ na Diretoria Internacional) e outros empregados do alto escalão da PETROBRAS, foi corrompido pelos integrantes do núcleo empresarial, passando a auxiliá-lo na consecução dos delitos de cartel e licitatórios, bem como a apoiá-lo para os mais diversos fins, facilitando a sua atuação na PETROBRAS.

Com efeito, diante dos importantes cargos ocupados por PAULO ROBERTO COSTA (Diretoria de Abastecimento), RENATO DUQUE (Diretoria de Serviços), PEDRO BARUSCO (Gerência de Engenharia da Diretoria de Serviços), NESTOR CERVERÓ (Diretoria Internacional) e JORGE ZELADA (Diretoria Internacional), a organização criminosa possuía ingerência direta sobre metade das Diretorias da Estatal à época, assim como ocupava grande parte dos assentos na Diretoria Executiva, órgão colegiado responsável por tomar a maior parte das decisões estratégicas da PETROBRAS. Os Diretores da PETROBRAS atuavam como Ministros de Estado, sendo grandes gestores com ampla autonomia e responsáveis por orçamentos que, muitas vezes, superavam os de muitos Ministérios do Governo. O esquema visual abaixo retrata a estrutura corporativa da Estatal à época:



image


92. O núcleo operacional, braço financeiro da organização criminosa, funcionou no entorno de uma figura que se convencionou chamar de “operador”, verdadeiro intermediador de interesses escusos que se volta à operacionalização do pagamento das


vantagens indevidas pelos integrantes do núcleo empresarial aos dos núcleos administrativo e político, assim como à lavagem dos ativos decorrentes dos crimes perpetrados por toda a organização criminosa.

Ao longo da investigação foram identificados vários subnúcleos, ou subgrupos, cada qual comandado por um operador diferente, que prestava serviços a uma ou mais empreiteiras, grupo econômico, servidor da PETROBRAS ou integrante de agremiação política. Referidos operadores encarregavam-se de, mediante estratégias de ocultação da origem dos recursos, lavar o dinheiro e, assim, permitir que a propina chegasse aos seus destinatários de maneira insuspeita. Dentre eles, se destacam ALBERTO YOUSSEF142, MARIO GOES143 e JOÃO VACCARI NETO144.


93. Assim estruturada, a grande organização criminosa praticou de forma sistemática os crimes:

i) de cartel, em âmbito nacional, previsto no art. 4º, II, “a” e “b”, da Lei nº 8.137/90, tendo em vista que os integrantes do núcleo empresarial firmaram acordos, ajustes e alianças, com o objetivo de, como ofertantes, fixarem artificialmente preços e obterem o controle do mercado de fornecedores da PETROBRAS;

ii) contra as licitações, em âmbito nacional, previsto no art. 90, da Lei nº 8.666/96, uma vez que, mediante tais condutas, os integrantes da organização frustraram e fraudaram, por intermédio de ajustes e combinações, o caráter competitivo de diversos procedimentos licitatórios daquela Estatal, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagens decorrentes da adjudicação do objeto da licitação;

iii) de corrupção ativa, previsto no art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, pois, muitas vezes com intermediação de operadores do núcleo financeiro, os integrantes do núcleo empresarial ofereceram e prometeram vantagens indevidas aos empregados públicos da PETROBRAS e representantes dos partidos políticos que lhes davam sustentação, para determiná-los a praticar e omitir atos de ofício, sendo que tais empregados incorreram na prática do delito de corrupção passiva, previsto no art. 317, caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código Penal, pois não só aceitaram tais promessas de vantagens indevidas, em razão da função, como efetivamente deixaram de praticar atos de ofício com infração de deveres funcionais, e praticaram atos de ofício nas mesmas circunstâncias, tendo recebido vantagens indevidas para tanto, além de, em diversas ocasiões, esses mesmos empregados solicitarem o pagamento de tais vantagens para o mesmo fim;

iv) de lavagem de ativos, previsto no art. 1º da Lei nº 9.613/98, pois ocultaram e dissimularam a origem, disposição, movimentação, localização ou propriedade dos valores provenientes, direta e indiretamente, dos delitos de quadrilha/organização criminosa, formação de cartel, fraude à licitação, corrupção e, ainda, contra a ordem tributária, valendo-


image

142 Denunciado na ação penal nº 5083258-29.2014.404.7000 pela lavagem por meio de depósitos nas empresas GFD Investimentos, MO Consultoria e Empreiteira Rigidez com base em contratos simulados de prestação de serviço; ao passo que na ação penal nº 5083401-18.2014.404.7000, por exemplo, foi denunciado pela ocultação de capital pela aquisição de diversos bens com recursos provenientes dos crimes praticados em detrimento da Petrobras, como empreendimentos hoteleiros na Bahia – posteriormente desmembrada na ação penal nº 5028608-95.2015.404.7000.

143 Acusado na ação penal nº 5012331-04.2015.404.7000 pelo recebimento de valores ilícitos por meio de

offshores.

144 Na ação penal nº 5019501-27.2015.404.7000 JOÃO VACCARI NETO, juntamente com RENATO DUQUE e AUGUSTO MENDONÇA, foram denunciados pela lavagem de recursos desviados da Petrobras por doações oficias ao Partido dos Trabalhadores – PT e repasses à Editora Gráfica Atitude.


se, para tanto, dos serviços dos operadores que integravam o núcleo financeiro da organização;

v) contra o sistema financeiro nacional, previstos nos arts. 21, parágrafo único, e 22, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986, pois, uma vez recebidos os valores das empreiteiras, os operadores integrantes do quarto núcleo da organização criminosa fizeram operar instituições financeiras sem autorização legal, realizaram contratos de câmbio fraudulentos e promoveram, mediante operações de câmbio não autorizadas, a saída de moeda e evasão de divisas do País;

vi) contra a ordem tributária, previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990, uma vez que, para ensejar a lavagem dos ativos gerados pelo esquema criminoso os empreiteiros, operadores financeiros, agentes públicos e políticos prestaram informações falsas às autoridades fazendárias, falsificaram documentos e adulteraram informações com a finalidade de suprimir e reduzir tributos, maquiando a quantia e natureza de seus rendimentos ilícitos.


94. Muito embora tais crimes tutelem diferentes bens jurídicos e sejam bastante diferentes, foram praticados de forma coordenada, sistemática e interconectada no interesse da perpetuação e desenvolvimento do grande esquema criminoso ora narrado. Se os crimes de cartel, licitatórios e de corrupção viabilizaram a majoração dos preços – e lucros – das grandes empreiteiras em contratos públicos, os crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de capitais instrumentalizaram, em um segundo momento, a destinação do excedente ilícito gerado para os bolsos de todos os agentes criminosos que participavam do esquema.


95. Nesse sentido, para a melhor compreensão dos delitos de corrupção que serão imputados a seguir, afigura-se de grande importância a explicitação do modo como os representantes das maiores empresas de construção do Brasil associaram-se em cartel. De fato, as evidências comprovaram que eles se conluiaram para, de forma estável e permanente, com abuso do poder econômico, dominar o mercado de grandes obras de engenharia civil demandadas pela PETROBRAS, mediante prévios ajustes fraudatórios às licitações e outras condutas voltadas à eliminação da concorrência.



O grande cartel de empreiteiras