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3.2.3. DA CORRUPÇÃO E DA LAVAGEM DE DINHEIRO POR INTERMÉDIO DO CUSTEIO DA DECORAÇÃO DA COBERTURA TRIPLEX DO CONDOMÍNIO SOLARIS
219. Assim como ocorrido em relação à aquisição do apartamento 164-A do Condomínio Solaris, localizado na Av. Gal. Monteiro de Barros, nº 638, em Guarujá/SP, e ao custeio das obras para sua reforma, LULA, MARISA LETÍCIA, LÉO PINHEIRO, PAULO GORDILHO, FÁBIO YONAMIME e ROBERTO MOREIRA, de modo consciente e voluntário, no contexto das atividades da organização criminosa acima exposta, em concurso e unidade de desígnios, no período compreendido entre fevereiro de 2014 e a presente data, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de R$ 350.991,05, provenientes dos crimes de cartel, fraude a licitação e corrupção praticados pelos executivos da CONSTRUTORA OAS em detrimento da Administração Pública Federal, notadamente da PETROBRAS, conforme descrito nesta peça, por meio transferência desses valores, entre 26/09/2014 e 11/11/2014, da OAS EMPREENDIMENTOS à KITCHENS COZINHAS E DECORACOES LTDA. [KITCHENS] e à FAST SHOP S.A., para custear a aquisição de móveis de decoração e de eletrodomésticos para o referido apartamento, assim como por meio da colocação dos ativos em nome de um titular nominal, a OAS, quando na verdade pertenciam a LULA e MARISA LETÍCIA. Tal valor – R$ 350.991,05 – foi objeto de solicitação a LÉO PINHEIRO, constituindo-se de vantagem indevida, recebida por LULA em razão do cargo de Presidente da República.
220. Em fevereiro de 2014, após LULA e MARISA LETÍCIA visitarem o apartamento 164-A do Condomínio Solaris na companhia de LÉO PINHEIRO, esse determinou a FÁBIO YONAMINE que fosse feito um projeto de decoração da unidade. Essa demanda foi passada a ROBERTO MOREIRA, que, após a aprovação do projeto por FÁBIO YONAMINE a LÉO PINHEIRO, colocou em execução a proposta. Esta, como acima indicado, englobava uma reforma estrutural e também a compra de móveis e eletrodomésticos.
434 Valor atualizado utilizando como índice de correção o IGP-M (FGV) – ANEXO 245.
221. Como descrito na seção anterior, as obras de personalização (reforma estrutural e de acabamento) do apartamento 164-A do Condomínio Solaris foram finalizadas pela TALLENTO por volta de agosto de 2014. Dando continuidade ao processo de adequação do imóvel às necessidades de LULA e MARISA LETÍCIA, a OAS EMPREENDIMENTOS, por meio do Diretor ROBERTO MOREIRA e com a aquiescência de LÉO PINHEIRO e FÁBIO YONAMINE, que aprovaram o projeto inicial, realizou a compra de móveis e eletrodomésticos para o triplex.
222. No final de agosto de 2014, valendo-se dos contatos que foram feitos anteriormente para a compra de móveis para cozinha para um sítio em Atibaia/SP, que também está ligado a LULA e MARISA LETÍCIA (o que ainda é objeto de apuração), ROBERTO MOREIRA determinou que sua subordinada, JÉSSICA MALZONE, entrasse em contato com a empresa KITCHENS para executar o projeto de decoração do apartamento. Dessa forma, JÉSSICA MALZONE entrou em contato com o funcionário da KITCHENS, RODRIGO GARCIA DA SILVA para orçar a compra.
223. O orçamento deu origem ao “Pedido 214.299” da KITCHENS, gerado em 01/09/2014 e assinado em 03/09/2014 por ROBERTO MOREIRA. O montante total da compra era R$ 320.000,00435. O projeto incluía armários e eletrodomésticos para os seguintes espaços do apartamento 164-A do Condomínio Solaris: (i) cozinha; (ii) churrasqueira; (iii) área de serviço; (iv) banheiros; (v) quartos. Os desenhos dos projetos foram finalizados entre 29/08/2014 e 04/09/2014436, sendo aprovados, em seguida, por ROBERTO MOREIRA.
224. O contrato foi celebrado entre a KITCHENS e a OAS EMPREENDIMENTOS, sendo que foram realizados dois depósitos bancários para pagamento parcial da contratação: R$ 78.800,00, em 26/09/2014, e R$ 208.200,00, em 11/11/2014437. Apesar de os bens terem sido entregues e montados no apartamento 164-A do Condomínio Solaris, não houve o pagamento integral do pedido, de forma que a KITCHENS promoveu, em 08/07/2015, a sua habilitação de crédito em face da OAS EMPREENDIMENTOS nos autos da sua recuperação judicial (autos nº 1030812-77.2015.8.26.01000, 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo)438.
225. Toda a narrativa é corroborada por oitivas de testemunhas e documentos colhidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
226. Ouvido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL439, RODRIGO GARCIA DA SILVA, vendedor da KITCHENS na época dos fatos, declarou que: (i) manteve contato com prepostos da OAS EMPREENDIMENTOS para realizar a venda de móveis pela KITCHENS; (ii) os bens foram de fato entregues no apartamento 164-A do Condomínio Solaris; e (iii) o projeto do triplex foi personalizado.
435 ANEXO 246 (IC n. 1.25.000.0033502015-90/PR).
436 ANEXO 247 (IC n. 1.25.000.0033502015-90/PR).
437 ANEXO 248 (IC n. 1.25.000.0033502015-90/PR).
438 ANEXO 249 (IC n. 1.25.000.0033502015-90/PR).
227. Ouvido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL440, MÁRIO DA SILVA AMARO JUNIOR, gerente da KITCHENS, informou que: (a) tem conhecimento sobre a venda de móveis para um apartamento no Guarujá/SP e para um sítio em Atibaia/SP; e (b) o projeto para o apartamento no Guarujá/SP custou R$ 320.000,00 e envolvia o mobiliário de quartos, banheiros e cozinha.
228. Ouvida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL441, ELAINE VITORELLI ABIB, funcionária da KITCHENS (responsável pelo caixa), informou que: (a) sobre a venda para o triplex de Guarujá, recorda-se que o pedido total foi de R$ 320.000,00; e (b) em relação a essa venda, houve duas transferências bancárias feitas pela OAS EMPREENDIMENTOS para a KITCHENS, tendo sido pagos inicialmente R$ 78.800,00, em setembro de 2014, e mais tarde R$ 208.200,00, em novembro de 2014.
229. Os representantes da KITCHENS apresentaram ainda diversos documentos comprovando a prestação de serviços: (a) Pedido nº 214.299, de 01/09/2014, do cliente OAS EMPREENDIMENTOS, com a descrição dos serviços a serem prestados no apartamento 164-A do Condomínio Solaris e respectivo projeto, bem como comprovantes de pagamento; (b) Notas Fiscais emitidas pela KITCHENS em face da OAS EMPREENDIMENTOS em função dos serviços contratados para o apartamento 164-A do Condomínio Solaris; e (c) cópias do processo nº 1030812-77.2015.8.26.01000, em que a KITCHENS apresentou requerimento de habilitação de crédito em face da OAS EMPREENDIMENTOS, dado que esta empresa estava em recuperação judicial e não havia adimplido todo o valor do contrato442.
230. Relevante pontuar que Diretores da OAS EMPREENDIMENTOS ouvidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, RICARDO MARQUES IMBASSAHY, CARMINE DE SIEVI NETO, ROBERTO MOREIRA e FABIO YONAMINE443 relataram que: (a) a OAS EMPREENDIMENTOS não comercializava imóveis com armários de cozinha e dormitórios personalizados, tampouco eletrodomésticos; (b) a OAS EMPREENDIMENTOS, em 2014, não fazia a personalização de apartamento para clientes; (c) que serviços de adaptação de plantas de imóveis foram feitos durante o ano de 2013444, prática comercial abortada pela empresa, e que consistiam apenas em simples serviços de opção de layout, tais como aumento de área de sala com supressão de quarto; (d) que tais serviços de adaptação de plantas somente eram feitos após a aquisição das unidades habitacionais por clientes, e não para que estes a comprassem; (e) que tais serviços de adaptação de plantas não abrangiam reformas profundas e personalizadas, com troca de local de escadas e instalação de elevadores privativos, tampouco instalação de armários e eletrodomésticos. Todos esses serviços de personalização de imóvel, absolutamente incomuns no escopo negocial da OAS EMPREENDIMENTOS, foram realizados no triplex 164-A do Condomínio Solaris.
440 O vídeo da oitiva será encaminhado mediante ofício, em mídia eletrônica, para a Secretaria desse Juízo. 441 ANEXO 250.
442 ANEXO 251.
231. Nesse contexto, repise-se que, conforme acima transcrito, MARIUZA MARQUES, engenheira encarregada da manutenção e comercialização de unidades do Condomínio Solaris e de outros empreendimentos da OAS EMPREENDIMENTOS, foi enfática em informar que445: (a) não houve, em nenhuma outra unidade, reformas estruturais e instalações de mobília e eletrodomésticos, tal como realizado no triplex 164-A do Condomínio Solaris; e (b) não foram realizadas visitas de outros corretores e interessados na aquisição da unidade habitacional.
232. Evidência que corrobora todas as informações colhidas na investigação é o diálogo, por mensagens de texto, entre LÉO PINHEIRO e PAULO GORDILHO, Diretor da OAS EMPREENDIMENTOS, extraído do celular daquele446. No referido diálogo, ocorrido em 12/02/2014, os interlocutores discutem sobre os projetos de reforma do apartamento triplex 164-A do Condomínio Solaris e do Sítio de Atibaia, atribuindo-os ao “chefe”:
233. Ainda, em 26/02/2014, PAULO GORDILHO informa a LÉO PINHEIRO que a visita supramencionada fora bem-sucedida447:
445 ANEXO 252.
446 O celular de LÉO PINHEIRO foi apreendido pela Polícia Federal na 7ª fase da Operação Lava Jato, em cumprimento a ordem deste Juízo – Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 32, juntado aos autos nº 5005978- 11.2016.4.04.7000 – ANEXO 178.
234. Dias depois, em 10/03/2014, LÉO PINHEIRO recebeu mensagem de interlocutor não identificado, em que é informado de que FERNANDO BITTAR comunicou a aprovação, pela “Dama”, isto é, MARISA LETÍCIA, dos projetos tanto do Guarujá quanto do sítio. No fim da mensagem, há informação acerca dos valores cobrados pela KITCHENS:
235. Impende observar que FERNANDO BITTAR é o proprietário formal do sítio Santa Bárbara, em Atibaia/SP. Considerando que FERNANDO BITTAR não possui qualquer relação com o apartamento 164-A do Condomínio Solaris, não haveria menor razão em ser ele o responsável por aprovar os projetos junto a MARISA LETÍCIA, a não ser que, conforme apuração em curso, aja como interposta pessoa para ocultar benefícios patrimoniais recebidos por LULA e sua esposa.
236. Destacam-se, ainda, mensagens trocadas, em 21/08/2014, entre LÉO PINHEIRO e PAULO OKAMOTTO, Diretor do INSTITUTO LULA e pessoa muito próxima de LULA:
237. No mesmo sentido, colocam-se mensagens trocadas na mesma data entre
LÉO PINHEIRO e MARCELO RAMALHO, funcionário do GRUPO OAS:
238. As mensagens acima tratam acerca de encontro marcado naquela data entre, ao menos, LÉO PINHEIRO, PAULO GORDILHO e pessoa referida como “Esposa” do “Amigo”. Os responsáveis pelo contato com o “Amigo” e a “Esposa” são a secretária de nome “CLAUDIA” e o filho chamado “FÁBIO”. Através dos das provas colhidas, a autoridade policial informou se tratar de CLÁUDIA TROIANO, funcionária do INSTITUTO LULA, e FÁBIO LULA DA SILVA, filho de LULA e MARISA LETÍCIA. A vinculação do filho do ex-Presidente da República ao telefone indicado por MARCOS RAMALHO como sendo de propriedade do “Dr. Fábio” é feita pelo fato de que, quando tal número é salvo em qualquer aparelho telefônico e selecionado no aplicativo “WhatsApp”, aparece como imagem do contato uma foto de FÁBIO LULA DA SILVA, conforme informado no Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 32448-449.
Em adição, em resposta a ofício encaminhado por esta Força-Tarefa, a operadora Oi S.A. informou que referido terminal telefônico encontra-se cadastrado, desde a data de 13/07/2013, em nome da empresa GAMECORP S.A450, de propriedade de FÁBIO LULA DA SILVA451.
239. Além de todos esses elementos, conforme indicado no relatório da autoridade policial nos autos nº 5035204-61.2016.4.04.7000, LÉO PINHEIRO e PAULO GORDILHO trocaram mensagens sobre a criação de “centro de custos” dissimulado (denominado “zeca pagodinho”) para arcar com as despesas referentes às despesas que a OAS arcou com o triplex no Guarujá e com o sítio em Atibaia/SP.
240. Por fim, em informação prestada ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a FAST SHOP S.A. aduziu e apresentou documentos comprobatórios, como notas fiscais, indicando que: (a) em 03/11/2014, a OAS EMPREENDIMENTOS, a pedido de “JÉSSICA” (provavelmente JÉSSICA MALZONE, funcionária da empresa), realizou a compra de um fogão (marca BRASTEMP), um forno micro-ondas (marca BRASTEMP) e uma geladeira “side by side” marca (marca ELECTROLUX); (b) a compra totalizou R$ 7.513,00; (c) o endereço de entrega das mercadorias foi Av. General Monteiro de Barros, nº 638, no Guarujá/SP (Condomínio Solaris);
Nesse contexto, e considerando, ainda, que, durante a deflagração da 24ª fase da “Operação Lava Jato” foram encontrados um fogão, um forno microondas e uma geladeira “side by side” no triplex 164-A do Condomínio Solaris453, tendo o fogão número de série correspondente àquele apontado pela FAST SHOP S.A., é evidente que a compra desses eletrodomésticos estava direcionada também a LULA e MARISA LETÍCIA, embora constasse apenas o nome da OAS EMPREENDIMENTOS e de seus prepostos nos documentos de aquisição.
241. Resta comprovado, então, que a personalização do apartamento 164-A do
448 ANEXO 178.
450 ANEXOS 253 e 254.
451 ANEXO 255.
452 ANEXO 256.
453 Conforme indicado nos autos nº 5035204-61.2016.4.04.7000.
Condomínio Solaris assim como a compra de móveis e eletrodomésticos foram dadas pela OAS à LULA e MARISA LETÍCIA, tendo sido arquitetadas e executadas por LÉO PINHEIRO, controlador da OAS EMPREENDIMENTOS, e pelos executivos desta empresa: FÁBIO YONAMINE, PAULO GORDILHO e ROBERTO MOREIRA. Insta destacar que não obstante os beneficiários diretos dos serviços prestados e produtos adquiridos para a cobertura triplex nº 164-A do Condomínio Solaris fossem LULA e MARISA LETÍCIA, não foram eles que efetuaram os pagamentos ou que figuraram nas respectivas notas fiscais, mas a OAS EMPREENDIMENTOS. Além disso, foi esta empresa que permaneceu como titular nominal dos ativos, embora de fato pertencessem, a toda evidência, a LULA e MARISA LETÍCIA. O pagamento pela OAS e a titularidade nominal dos ativos por parte desta tinham o manifesto propósito de dissimular e ocultar a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade dos valores empregados na decoração, provenientes dos crimes de cartel, fraude a licitação e corrupção praticados pelos executivos da CONSTRUTORA OAS em detrimento da Administração Pública Federal, notadamente da PETROBRAS.
Da propina recebida e dos valores lavados mediante a decoração da cobertura triplex 164-A do Condomínio Solaris