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162. Conforme narrado ao longo desta denúncia, a que se faz remissão, os bens, direitos e valores cuja natureza, origem, localização, movimentação e propriedade foram ocultadas e dissimuladas, por meio das operações de lavagens de capitais que ora serão descritas, são provenientes da prática dos seguintes crimes antecedentes: a) organização criminosa, formada por empresários da OAS e de diversas outras empreiteiras, funcionários públicos da PETROBRAS, agentes políticos e operadores financeiros; b) cartel, praticado pela associação de empreiteiras para fraudar o caráter competitivo de licitações públicas da PETROBRAS e lucrar ilicitamente; c) fraude à licitação, feita por meio de ajustes escusos realizados entre concorrentes, com o auxílio de funcionários públicos; d) corrupção ativa e passiva, sendo alguns atos dessa natureza objeto desta denúncia; e) crimes contra a ordem tributária, pois as empreiteiras envolvidas no esquema criminoso se utilizaram de documentos falsos, notadamente notas fiscais e contratos fraudulentos, para justificar pagamentos sem causa, reduzindo ilicitamente o recolhimento dos tributos que incidiram em operações dessa natureza; e f) crimes contra o sistema financeiro nacional, especialmente a operação de instituição financeira sem autorização, a realização de contratos de câmbio com informações falsas e a evasão de divisas.
163. A atividade criminosa desenvolvida ao longo do tempo gerou lucros ilícitos estimados em até 29 bilhões pelo TCU e até 42 bilhões pela Polícia Federal362, embora a presente denúncia trate apenas de parte dos fatos.
O funcionamento de um cartel e a promessa de vantagens indevidas (propinas), aceitas por empregados do alto escalão da PETROBRAS, impediram a real concorrência entre as empreiteiras, permitindo pagamentos sobrevalorados pela PETROBRAS a elas, a execução de projetos falhos e a geração de valores para uso em fins escusos. A operação do cartel e a
Quanto a LULA, o recebimento de vantagens indevidas oriundas da PETROBRAS será abordado também no tópico referente aos crimes de lavagem de dinheiro.
362 ANEXOS 117 e 118.
aquiescência e o auxílio concedido por tais funcionários públicos corrompidos para otimização do cartel e fraudes licitatórias produziram um grande volume de recursos sujos. Assim, tais empresários pagaram propinas para agentes públicos e políticos para auferir lucros recordes, significativamente superiores àqueles que obteriam em um contexto de efetiva competição e fiscalização pelos agentes públicos.
Uma parcela significativa de todo esse dinheiro sujo, produto e proveito das atividades criminosas anteriores descritas, não ficou com as próprias empreiteiras, mas foi lavada para ser disponibilizada como dinheiro “limpo” aos partidos e agentes públicos beneficiários das propinas. Para tanto, foram empregados vários métodos. Dentre eles, estiveram: a utilização de empresas do próprio grupo empresarial das empreiteiras, inclusive usando contas e companhias no exterior (“offshores”); o emprego de operadores financeiros, como os já mencionados ALBERTO YOUSSEF, MARIO GOES, JULIO CAMARGO e FERNANDO SOARES, que se valiam de empresas de fachada, operações de dólar-cabo ou outros métodos para quebrar o rastro financeiro do dinheiro e, com isso, dificultar a ligação dos ativos ilícitos com sua origem criminosa; ou ainda a compra e reforma de imóveis em benefício dos corruptos, como aconteceu nos casos, por exemplo, de JOSÉ DIRCEU363 e do próprio LULA, como adiante será descrito.
164. Neste caso, importante registrar que os atos de corrupção descritos no capítulo anterior envolveram especialmente as licitações da PETROBRAS vencidas pela CONSTRUTORA OAS, empresa integrante do Grupo OAS. Esta não é a primeira acusação envolvendo corrupção praticada por tal empresa.
De fato, conforme sentença prolatada nos autos nº 5083376-05.2014.404.7000364, empresas do GRUPO OAS, como a CONSTRUTORA OAS, a OAS ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES, a COESA ENGENHARIA e o CONSÓRCIO VIÁRIO SÃO BERNARDO, simularam
contratos de prestação de serviços com empresas controladas por ALBERTO YOUSSEF, repassando a ele os recursos criminosos. No período compreendido entre 2007 e 2012, valores originários de crimes antecedentes de cartel e ajuste fraudulento de licitação em desfavor da PETROBRAS, relacionados a contratos vinculados à Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS transitaram por diversas empresas de fachada comandadas por ALBERTO YOUSSEF. De fato, como se observa naquele processo criminal, houve o uso de diferentes sociedades empresariais do mesmo grupo econômico para, dissimulando a origem dos recursos, pagar propinas a agentes públicos. Embora os contratos com a PETROBRAS estivessem concentrados em determinadas empresas do grupo empresarial contratante, não raro as propinas eram pagas por outras empresas do mesmo grupo, com intuito nitidamente de dissimular os pagamentos ilegais. LÉO PINHEIRO era, ao tempo dos fatos, Presidente da CONSTRUTORA OAS e da COESA ENGENHARIA, e detinha poder de gestão sobre todas as empresas do GRUPO OAS.
Nesse âmbito, da mesma forma que LÉO PINHEIRO, tendo em vista a participação da CONSTRUTORA OAS no estratagema delituoso em curso dentro da estatal petroleira, se valeu das subsidiárias COESA ENGENHARIA e CONSÓRCIO VIÁRIO SÃO BERNARDO para, de forma dissimulada repassar propina a PAULO ROBERTO COSTA. Utilizando metodologia similar, ele fez uso de outra empresa do grupo, a OAS EMPREENDIMENTOS, para entregar vantagens indevidas a LULA.
364 ANEXO 106.
165. Registre-se que o Grupo OAS, no período entre 2003 e 2015, por meio de suas diferentes empresas e consórcios, firmou contratos, somando cerca de R$ 6.786.672.444,55365, com a Administração Pública Federal, dentre os quais estão os contratos celebrados com a PETROBRAS. No arranjo criminoso descrito nesta peça, LULA era o elemento comum, comandante e principal beneficiário do esquema de corrupção que também favorecia as empreiteiras cartelizadas, incluindo a CONSTRUTORA OAS. Dessa forma, as vantagens recebidas pelo Grupo OAS, sob a influência e o comando de LULA, criaram em favor deste uma espécie de subconta dentro do “caixa geral” que continuou a ser abastecido, inclusive, após o término de seu mandato presidencial, por meio de diversos contratos públicos de longa duração e aditivos ajustados ainda antes de 2011. Esse “caixa geral” foi também alimentado por créditos recebidos a partir dos contratos fraudados firmados com a PETROBRAS, incluindo os referentes às obras da REPAR e da RNEST.
A existência de um “caixa geral” em benefício de agentes públicos não é novidade. Já foi objeto de acusação, comprovação e condenação criminal em outros processos criminais na “Operação Lava Jato”. Foi em razão da existência de um sistema de “caixa geral” que PAULO ROBERTO COSTA continuou recebendo propinas das empreiteiras muito depois da sua data de saída da PETROBRAS, por meio de contratos de consultoria falsos. Também em função desse sistema é que propinas foram direcionadas a JOSÉ DIRCEU, muito depois de ele deixar o governo e em razão de sua influência como líder político associado a LULA e vinculado ao Partido dos Trabalhadores.
Os benefícios econômicos indevidos recebidos da Administração Pública Federal pela OAS, de que são parte aqueles que são objeto desta denúncia, ingressaram no caixa das diferentes empresas do Grupo OAS em virtude do grande esquema de corrupção, que permitiu, dentre outros ganhos, a majoração dos lucros no ambiente de “não concorrência”. Dentro dos cofres das empresas, havia a mistura dos recursos ilícitos com aqueles auferidos de forma lícita para, em seguida, por meio da empresa diretamente beneficiada pelo contrato fraudado ou por outra do grupo, saírem para os destinatários da propina.
Considerando que o ex-Presidente da República comandou e garantiu a existência do esquema que permitiu a conquista de vários contratos por licitações fraudadas, incluindo aquelas referentes às obras da REPAR e da RNEST, as vantagens indevidas, em contrapartida, foram pagas pelo Grupo OAS de forma contínua ao longo do tempo, valendo- se desse “caixa geral” abastecido pelas vantagens indevidas decorrentes da corrupção. Da mesma forma, sem uma vinculação explícita com cada contrato fraudado, mas decorrente de todo o esquema que o viabilizava, o Grupo OAS direcionava recursos para LULA, os quais eram oriundos de lucros criminosos obtidos com os crimes de cartel, fraude à licitação, corrupção, organização criminosa e contra os sistemas financeiro e tributário já descritos e praticados em detrimento da Administração Pública Federal, notadamente da PETROBRAS.
166. Como será demonstrado a seguir, parte dos valores recebidos pela CONSTRUTORA OAS a partir de licitações fraudadas na PETROBRAS foi usada para pagar propinas a LULA, as quais foram transferidas para ele por outra empresa do Grupo OAS (a OAS EMPREENDIMENTOS), por meio da aquisição, personalização e decoração de um apartamento triplex no Guarujá/SP, e por meio do pagamento de valores referentes a contrato de armazenagem de bens ideologicamente falso firmado pela própria
365 ANEXO 187.
CONSTRUTORA OAS366, sendo que a origem ilícita de tais valores foi dissimulada nesse mesmo processo.
Assim, LULA recebeu de forma direta, em benefício pessoal, valores oriundos do caixa geral de propinas da OAS com o PT, totalizando R$ 3.738.738,07:
(a) a importância de R$ 1.147.770,96, correspondente à diferença entre o valor que diz ter pago originalmente à BANCOOP por um apartamento tipo no Edifício Mar Cantábrico, e o apartamento efetivamente entregue pela OAS Empreendimentos a título de propina, qual seja o apartamento 164-A, Edifício Navia, no mesmo empreendimento, cujo nome foi alterado para “Condomínio Solaris”;
(b) o valor de R$ 926.228,82, correspondente às benfeitorias pagas à Construtora Talento, executados no apartamento antes referido;
(c) o montante de R$ 342.037,30, referente à execução de um projeto de cozinha e outros móveis personalizados no mesmo apartamento, pagos à KITCHENS COZINHAS E DECORACOES LTDA.;
(d) o valor de R$ 8.953,75, pagos pela OAS à FAST SHOP S.A., em relação à aquisição de um fogão (marca BRASTEMP), um forno micro-ondas (marca BRASTEMP) e uma geladeira “side by side” marca (marca ELECTROLUX);
(e) o valor de R$ 1.313.747,24, pagos pela OAS à GRANERO TRANSPORTES LTDA., em decorrência de contrato de armazenamento de bens pessoais de LULA.
Embora o caixa geral de propinas da OAS com o PT tenha gerado vantagens indevidas em montante superior a R$ 87 milhões, LULA recebeu em benefício próprio os valores acima descriminados – alíneas (a) a (e).
Cabe salientar que esta sistemática, do recebimento de propina diretamente na forma de bens ou serviços, também restou constatada nos autos nº 5045241- 84.2015.4.04.7000, em que JOSÉ DIRCEU foi condenado. Naquela ação, JOSÉ DIRCEU recebeu valores de propina que foram ocultados mediante reformas de imóveis realizadas em seu interesse.
Ainda demonstra a existência desse sistema de “caixa geral” de propinas os pagamentos feitos no interesse de LULA para a realização de obras em um sítio em Atibaia/SP, para o INSTITUTO LUIZ INACIO LULA DA SILVA, e para a L.I.L.S. PALESTRAS,
EVENTOS E PUBLICAÇÕES LTDA., que ainda são objeto de apuração em andamento367.
Em razão da própria natureza e objetivo da lavagem, que é de esconder a origem ilícita dos valores, nem todas as operações de lavagem de capitais que beneficiaram LULA e pessoas próximas a ele já foram descobertas e comprovadas, havendo vários atos que estão, ainda, sob investigação. Assim, os atos de lavagem objeto desta denúncia não exaurem todos os valores branqueados, assim como todos os valores recebidos.
367 Nessa toada, ganha sentido e consistência o quanto afirmado pelo ex-Senador da República DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ: “QUE a OAS sempre teve grande participação no Governo de LULA; QUE entende que a reforma do sítio de Atibaia foi uma contraprestação de LEO PINHEIRO e da OAS para LULA, em decorrência do “conjunto da obra”, ou seja, o conjunto de benefícios que a empresa OAS recebeu em função do Governo LULA, em contraprestação às obras públicas que ganhou, inclusive relacionadas à PETROBRAS; QUE a OAS tinha muitas obras importantes no Governo LULA e não é possível estabelecer uma contraprestação específica; QUE, assim, afirma que se trata de uma “contraprestação pelo conjunto da obra” e não uma vantagem específica decorrente de uma obra determinada; (...).” (conforme Termo de Declarações de DELCÍDIO DO AMARAL, prestado em 28/03/2016, na sede da Procuradoria da República em São Paulo, do qual se destacou o trecho transcrito – ANEXO 65.
3.2. DA CORRUPÇÃO E DA LAVAGEM DE DINHEIRO POR INTERMÉDIO DA AQUISIÇÃO, PERSONALIZAÇÃO E DECORAÇÃO DE TRIPLEX NO CONDOMÍNIO
SOLARIS NO GUARUJÁ/SP