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Artigo 201, IX
(JSTJ e TRF Volume 92 Página 156)
RECURSO ESPECIAL N. 51.408-8 RS (94.0021762-5)
Quarta Turma (DJ, 18.11.1996)
Relator: Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro
Sul
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Recorrida: Escola de Primeiro e Segundo Graus Assunção Advogado: Dr. Leonardo da Silva Fabbro
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ESTABELECIMENTO DE ENSINO. RECUSA NO FORNECIMENTO DO HISTÓRICO ESCOLAR DE ALUNO. INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMIDADE PARA A IMPETRAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 227 DA CF, 53, "CAPUT", E 201, INCISO IX, DA LEI N.
8.069, DE 13.07.90.
I Está o Ministério Público legitimado a impetrar mandado de segurança sempre que periclitarem os direitos indisponíveis de menores, entre os quais se inclui o direito à educação, indispensável ao pleno desenvolvimento da criança e do adolescente.
II Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Custas, como de lei.
Brasília, 26 de agosto de 1996 (data do julgamento). Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presiden-
te Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Cui-
da-se de mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em favor de Ney Barbosa dos Santos Neto contra ato da direção da "Escola de 1º e 2º Graus Assunção", que negou o fornecimento do histórico escolar ao referido aluno, menor de idade, sob a alegação de que se encontrava ele em débito com o colégio, impedindo-o, assim, de matricular-se em escola pública.
A MMª Juíza de Direito indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, em face da ilegitimidade ativa do Ministério Público, além de afirmar a decadência da impetração. A Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento à apelação pelos motivos resumidos na ementa do V. Acórdão:
"MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PARA IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA, PARA A OBTENÇÃO DE HISTÓRICO ESCOLAR, RELATIVO A MENOR SOB A GUARDA DE SEU RESPONSÁVEL LEGAL" (FL. 50).
Ainda irresignado, o impetrante manifestou recurso especial com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. Apontou violação dos arts. 53, "caput" e 201, IX, da Lei n. 8.069/90. Sustentou, em resumo, que ao negar o histórico escolar, obstaculizando-se que o menor continue seus estudos e freqüente a escola pública com matrícula definitiva e regularizada, em realidade está a autoridade coatora, por motivo que não diz respeito ao infante, obstruindo-lhe o exercício do direito à educação; direito este indisponível e fundamental ao desenvolvimento da criança; daí a legitimidade do recorrente para a impetração do mandado de segurança.
Sem as contra-razões, o apelo extremo foi admitido, subindo os autos a esta Corte.
A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso.
É o relatório. VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Não colhe "in casu" a preliminar de descabimento do apelo especial interposto, aventada no parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República. É que, não se cuidando aqui de mandado de segurança decidido pelo Tribunal local em única instância (art. 105, inciso II, b, da CF), mas sim de apelação havida em mandado de segurança apreciada por aquele C. Sodalício, adequada era a apresentação do Recurso Especial, pouco importando se denegatória ou não a decisão.
2. Segundo o disposto no artigo 127 da Constituição da República, "o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Está-se, no caso, frente a interesse individual indisponível.
O artigo 227 da Lei Maior, de sua vez, reza que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, entre outros, o direito à educação. Na esteira da preceituação constitucional, prescreve o artigo 53 da Lei n. 8.069, de 13.07.90, que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Ora, retendo o histórico escolar do menor, ainda que pelo motivo apontado, põe-se a autoridade tida como coatora na situação de obstar o prosseguimento de seus estudos; em última análise, está a obstruir-lhe o exercício do direito à educação. Daí a legitimidade do Ministério Público para impetrar o "mandamus" que objetive atacar o referido ato impeditivo. A propósito, vale evocar a anotação de Hugo Nigro Mazzilli de que, "num sentido lato, portanto, até o interesse individual, se indisponível, é interesse público, cujo zelo é cometido ao Ministério Público (CR, artigo 127)" ("Regime Jurídico do Ministério Público", p. 61, ed. 1993).
Para a defesa de tal interesse individual indisponível, a lei mune o Ministério Público do remédio constitucional do mandado de segurança, como vem às expressas previsto no artigo 201, inciso IX, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), "in verbis":
"IX impetrar mandado de segurança, de injunção e "habeas corpus", em qualquer juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente".
Escreve Roberto João Elias "que o Ministério Público está legitimado, pelo inciso IX, a impetrar mandado de segurança, e injunção e "habeas corpus", que são medidas constitucionais e céleres, sempre que periclitar quaisquer dos direitos inerentes aos menores. Indisponíveis, a rigor, são os direitos consagrados como fundamentais, e, sem os quais, a criança e o adolescente não poderão se desenvolver plenamente" ("Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente", p. 180, ed. 1994).
Hugo Nigro Mazzilli, acima mencionado, conclui "que as funções institucionais do Ministério Público devem ser iluminadas pelo zelo de um interesse social ou individual indisponível, ou então, pelo zelo de um interesse difuso ou coletivo. Sua atuação processual dependerá ora da natureza do objeto jurídico da demanda, ora se ligará à qualidade de uma das partes, quer porque de seus interesses não possam elas dispor, senão limitadamente, quer porque seus titulares padecem de alguma forma de acentuada deficiência, que torna exigível a intervenção protetiva ministerial" ("O Ministério Público na Constituição de 1988", p. 99, ed. 1989).
Esta C. Quarta Turma, ainda que de modo indireto, admitiu tratar-se de um interesse individual indisponível a hipótese de recusa, pelo estabelecimento de ensino, de fornecimento do histórico escolar de aluno em virtude da inadimplência de seus responsáveis. No precedente ora invocado (REsp n. 67.647/RJ, Relator o em. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR), reconheceu-se implicitamente a legitimidade do Ministério Público para impetrar o "writ" nesses casos, tanto que ao final do voto-condutor do Acórdão se manifestou a preocupação da Eg. Turma com a persistência da situação retratada naqueles autos, a ser objeto de análise do Magistrado de 1º grau com presteza, já na sua primeira atuação após a baixa do feito.
São palavras textuais do ilustre Relator no supra-referido recurso especial apreciado por esta Turma Julgadora:
"O estabelecimento de ensino que recusa o fornecimento do histórico do aluno está impedindo de forma concreta sua matrícula em outra escola, desrespeitando as regras que garantem o acesso à educação e impõem à sociedade inclusive às entidades privadas que ministram ensino mediante pagamento o dever de colaborar. Reza o artigo 205 da CR: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade ...". De sua vez, dispõe especificamente o artigo 227, das CR, no capítulo da família, da criança, do adolescente e do idoso: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação ... além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação ...".
De outra parte, o registro dos fatos ocorridos durante a vida escolar do aluno pertencem à escola, mas também ao aluno, que tem o direito de conhecê-los e deles obter certidões, na forma do artigo 5º, XXXIX, b, da CR, porquanto a escola particular exerce atividade mediante autorização do Estado (art. 209, II, da CR). A causa, portanto, não está limitada ao exame da mera relação negocial entre o colégio e o pai do aluno, a quem se atribui o descumprimento da obrigação de pagar mensalidade escolar. Cuida-se de estabelecer se o credor de certa quantia em dinheiro, devida como contraprestação à atividade escolar, tem o direito de exercer sobre o devedor a coação de impedir o prosseguimento dos estudos do filho, em outra instituição, negando-lhe o fornecimento da certidão escolar, enquanto não pago o débito.
Assim como proposta a ação, será necessário o exame da legalidade e da constitucionalidade do comportamento da entidade educacional em confronto não com as regras do direito obrigacional, pois não se discute a respeito da exigência da dívida, nem da possibilidade de sua cobrança, mas sim da compatibilidade entre a retenção do documento escolar, enquanto persistir a inadimplência, e os preceitos que asseguram a proteção da criança e do adolescente, o seu direito à educação e a subordinação das instituições privadas a certos princípios éticos ligados diretamente à formação da nossa juventude".
Nesses termos, ao negar legitimidade ao Ministério Público para impetrar o mandado de segurança ora focalizado, o Tribunal "a quo" negou aplicação aos arts. 53, "caput" e 201, inciso IX, da Lei n. 8.069, de 13.07.90.
3. Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a ilegitimidade de parte, a Eg. Câmara julgue as demais questões suscitadas no recurso de apelação, como entender de direito.
É o meu voto.
EXTRATO DA MINUTA REsp n. 51.408-8 RS (94.0021762-5) Relator: Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrida: Escola de Primeiro e Segundo Graus Assunção. Advogado: Dr. Leonardo da Silva Fabbro.
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator (em 26.08.96 4ª Turma). Votaram com o Exmo. Sr. Ministro Relator os Exmos. Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Ministro César Asfor Rocha.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA.