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Artigo 188
(JTJ Volume 184 Página 141)
MENOR Remissão Concessão pelo Magistrado Possibilidade antes da oitiva do menor, dos pais ou responsáveis e do Ministério Público Caráter genérico das regras dos artigos 126, parágrafo único, 188, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevalece sobre o caráter especial do artigo 186, § 1º, do mesmo Estatuto Interpretação dos referidos dispositivos Recurso não provido.
Parecendo haver antinomia entre disposições de lei, deve o intérprete examinar qual delas falou em sentido geral, qual em sentido especial, a fim de que a especial não prejudique a geral, nem resulte contradição.
Apelação Cível n. 25.514-0. ACÓRDÃO
Ementa oficial:
Estatuto da Criança e do Adolescente Procedimento visando apuração de ato infracional consistente em condução de veículo em via pública Diminuto potencial ofensivo da infração Adolescente sem antecedentes Possibilidade da concessão de remissão pela autoridade judiciária logo após o recebimento da representação, antes da audiência de oitiva do menor e de seus pais ou responsáveis Interpretação sistemática e harmônica dos artigos 126, parágrafo único, 186, § 1º, e 188, do Estatuto da Criança e do Adolescente Recurso improvido.
ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Dirceu de Mello (Presidente sem voto), Lair Loureiro e Carlos Ortiz.
São Paulo, 22 de fevereiro de 1996. LUÍS DE MACEDO, Relator. VOTO
A autoridade judiciária, após receber representação por ato infracional consistente em condução de motocicleta em via pública, oferecida em relação ao adolescente A. J. R. J., escorada nos artigos 126, parágrafo único, e 188, do Estatuto da Criança e do Adolescente, concedeu remissão extintiva do procedimento (fls. 9/ 11).
Inconformada, apela a Promotoria de Justiça (fls. 13/17) sustentando a inadmissibilidade do Magistrado conceder tal benefício antes da inquirição do menor, de seus pais ou responsáveis, ex vi do artigo 186, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 25/27) e mantida a sentença apelada (fls. 28/29), sobreveio manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento recursal (fls. 33/39).
É o relatório.
A controvérsia jurídica versada nestes autos circunscreve-se à admissibilidade do Juiz conceder, antes da oitiva do menor e de seus pais ou responsáveis, remissão ao adolescente infrator.
O Estatuto da Criança e do Adolescente legitima o Ministério Público, antes do procedimento judicial para apuração de ato infracional, a conceder tal benefício, como forma de exclusão do processo, "atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional" (artigo 126, caput).
Iniciado, porém, o procedimento, apenas a autoridade judiciária poderá outorgar a remissão, que importará na extinção ou suspensão do processo (artigo 126, parágrafo único), em qualquer fase procedimental, antes, porém, da sentença (artigo 188).
O recorrente, apegando-se à norma do artigo 186, § 1º, que regula a concessão de tal benefício após a oitiva do adolescente, de seus pais ou responsáveis, exigindo prévia manifestação do órgão ministerial, entende que a remissão pelo Magistrado só pode ser concedida após a inquirição de tais pessoas, e não a partir do início do procedimento.
Tal conclusão, em que pesem os doutos argumentos dos órgãos ministeriais, colide com as regras de hermenêutica, pois, assentando-se em antinomia entre tais preceitos, acaba mutilando a inteligência do parágrafo único do artigo 126 e do artigo 188 do Estatuto da Criança e do Adolescente em prol do artigo 186, § 1º, sob o argumento de não ter o legislador se expressado bem ao redigir as primeiras normas aludidas.
O inolvidável PAULA BAPTISTA, a propósito, já recomendava ao intérprete a conveniência de "estudar a lei em todas as suas partes, ou no complexo de suas prescrições individuais, comparando a parte obscura com outras, cujas expressões empregadas em sentido determinado, ou cujo pensamento mais claro e desenvolvido possa fazer cessar toda ambigüidade ou equívoco, pois que o mesmo espírito deveria ter presidido a redação de toda a lei" (in "Compêndio de Hermenêutica Jurídica", inserto no vol. 3º/30-31, dos "Clássicos do Direito Brasileiro", Editora Saraiva, 1984), lembrando o axioma intepretatio in dubio capienda semper, ut actus et dispositio potius valeat quam pereat (L. Quoties, 12, ff., de reb. dub.). Sempre na dúvida, a interpretação deve ser tal que valorize, ao invés de menosprezar, o ato e a disposição" (op. cit., pág. 67).
BARÃO DE RAMALHO, nesse sentido, observa que: "... quando encontramos leis em vigor contraditórias, devemos inferir que não temos chegado à vontade do legislador, e harmonizá-las para chegar-se ao perfeito conhecimento dessa vontade" (in "Cinco Lições de Hermenêutica Jurídica", publicado pela Editora Saraiva, 1994, no vol. 3º/188 dos "Clássicos do Direito Brasileiro").
CARLOS MAXIMILIANO, partindo da presunção de que não há antinomias ou incompatibilidades nos repositórios jurídicos, supondo ter o legislador exprimido seu pensamento "com o neces- sário método, cautela, segurança, de sorte que haja unidade de pensamento, coerência de idéias, todas as expressões se combinem e harmonizem", alertava que: "não raro, à primeira vista, duas expressões se contradizem; porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo oculto que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas. Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório" (in "Hermenêutica e Aplicação do Direito", Livraria Freitas Bastos S.A, 1965, 8ª ed., pág. 146).
Tais recomendações doutrinárias conduzem a outra interpretação dos mencionados dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que os harmonize, afastando qualquer contradição aparente entre eles e sem pressupor falha redacional.
Assim, entendidas as disposições dos artigos 126, parágrafo único, e 188, do Estatuto da Criança e do Adolescente como regras genéricas, possibilitando a concessão da remissão pela autoridade judiciária desde o início do procedimento, que ocorre com o recebimento da representação, e a do artigo 186, § 1º, como de caráter especial, impondo a prévia oitiva do órgão ministerial para a concessão da remissão após a oitiva do suposto infrator, de seus pais ou responsáveis, esvaece-se qualquer contradição aparente entre tais normas, que se harmonizam.
"Muitas vezes duas leis apresentam disposições contrárias, donde parecer haver antinomia entre elas; deve, pois, neste caso, examinar o intérprete qual delas falou em sentido geral, qual em sentido especial, a fim de que a especial não prejudique a geral, nem resulte contradição", lecionava BARÃO DE RAMALHO (op. cit., págs. 111-112). Convencendo-se o Magistrado, como ocorreu no caso sub judice, pelas peças informativas que acompanham a representação, ao recebê-la, merecer o jovem a remissão, poderá, desde logo, sem a necessidade de inquirir o suposto infrator, seus pais ou seus representantes, e sem ouvir previamente o Ministério Público que, ao representar, já demonstrou sua discordância com a remissão, conceder tal benefício, extinguindo ou suspendendo o processo.
Se, porém, tal convencimento surgir apenas após a oitiva do adolescente, de seus pais ou representantes, aí então incidirá a regra do § 1º do artigo 186 do Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo a autoridade judiciária ouvir o Ministério Público antes de conceder a remissão.
Não há, portanto, qualquer mácula procedimental na concessão de remissão pelo Juiz no início do procedimento.
In casu, a infração imputada ao adolescente, direção de veículo automotor em via pública sem habilitação legal, ostenta pequeno potencial ofensivo e não ocasionou qualquer prejuízo a outrem. O jovem, por outro lado, perpetrou-a prestes a atingir seus dezoito anos de idade, não ostentando qualquer antecedente, circunstância essa evidenciadora de sua personalidade adequada ao convívio sócio-familiar harmônico. Noticiam, demais, os autos, ser ele estudante e trabalhar em uma oficina mecânica.
Em tais circunstâncias, bem andou o Magistrado em conceder a remissão logo após o recebimento da representação.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso. No mesmo sentido:
Apelação Cível n. 25.836-0 Câmara Especial Julgamento: 2.5.96 Relator: Luís de Macedo Votação unânime.