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Artigo 263, IV e V
(JSTJ e TRF Volume 77 Página 337)
RECURSO ESPECIAL N. 32.220-4 SP (93.0003601-7)
Sexta Turma (DJ, 19.06.1995)
Relator: Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal Recorrente: Justiça Pública
Recorrido: Hércules Vittorazzo
Advogados: Dr. Percival Menon Maricato e outro EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. LEIS DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI N. 8.072/90). ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI N. 8.069/90).
I A Lei n. 8.072/90 revogou tacitamente o parágrafo único do artigo 214 do CP, introduzido pela Lei n. 8.069/90, ao disciplinar de modo diverso as matérias referentes ao itens 4 e 5 do art. 263 do Estatuto. II A Lei n. 8.069, de 13.07.90, não é anterior à Lei n. 8.072, de 25.07.90, devido ao prazo de 90 dias em que permaneceu sem vigência.
III Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na conformidade dos votos e notas taquigráficas constantes dos autos. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Pedro Acioli, Adhemar Maciel e Anselmo Santiago.
Custas, como de lei.
Brasília, 14 de fevereiro de 1995 (data do julgamento). Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Presidente Ministro VICENTE LEAL, Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Hércules Vittorazzo foi condenado a 18 anos de reclusão por infração ao artigo 214, c/c. os arts. 224, a, 225, § 1º, I e 69, todos do Código Penal. Em sede de apelação, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença para afastar o concurso material, reconhecer a continuidade delitiva e aplicar a Lei n. 8.069/ 90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), reduzindo, assim, a pena a 3 anos e 6 meses de reclusão. Irresignado, o Ministério Público do Estado de São Paulo interpõe recurso especial com base nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da CF, insurgindo-se contra a parte do "decisum" que reconheceu a incidência da Lei n. 8.069/90. Sustenta que a Lei n. 8.072, de 25.07.90, revogou parcialmente a Lei n. 8.069, de 13.07.90, em seu período da "vacatio legis", ao fixar pena mais elevada para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Articula negativa de vigência ao artigo 9º da Lei n. 8.072/90, assim como dissenso com os julgados oriundos desta Corte (fls. 319/ 336).
Em contra-razões, o réu argúi, preliminarmente, intempestividade do apelo, ao argumento de que o mesmo só foi interposto 35 dias após o envio dos autos à Procuradoria. Acentua que, na espécie, incide a Súmula n. 400, do STF, quanto à alegação de negativa de vigência da Lei Federal e, de outra parte, não se configurou dissenso jurisprudencial.
No mérito, o recorrido pugna pelo desprovimento do recurso. A douta Subprocuradoria-Geral da República, em seu parecer de fls. 363/366, opina pelo provimento parcial do recurso, para, aplicando-se a pena-base de seis anos, fixada na sentença, acrescida de um sexto, em razão da continuidade delitiva restando a pena definitiva de 7 anos de reclusão.
É o relatório. VOTO
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. LEIS DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI N. 8.072/90). ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. (LEI 8.069/90).
I A Lei n. 8.072/90 revogou tacitamente o parágrafo único do artigo 214 do CP, introduzido pela Lei n. 8.069/90, ao disciplinar de modo diverso as matérias referentes aos itens 4 e 5 do art. 263 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
II A Lei n. 8.069, de 13.08.90, não é anterior à Lei n. 8.072, de 25.07.90, devido ao prazo de 90 dias em que permaneceu em vigência.
III Recurso conhecido e provido.
O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Não merece prestígio a preliminar de intempestividade do recurso. O Ministério Público tomou ciência da decisão em 30.10.92 (fl. 301) e ajuizou o recurso em 05.11.92.
As caudalosas alegações contidas nas contra-razões, dirigidas a demonstrar a intempestividade da manifestação recursal, não encontram respaldo na jurisprudência desta Corte, que tem decidido, iterativamente, ser o prazo para o Ministério Público recorrer contado de sua intimação pessoal e não do ingresso dos autos na Secretaria do órgão. Registrem-se os precedentes seguintes: REsp
n. 37.904/DF, 5ª Turma, Rel. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, "in" DJ de 26.09.94, p. 25.661 e REsp n. 7.954/
SP, 5ª Turma, Rel. Ministro JOSÉ DANTAS, "in" DJ de 06.05.91, p. 5.671. Por outro lado, tratando-se de recurso especial fundado em ofensa ou negativa de vigência à Lei Federal, este Eg. Tribunal já assentou não ser aplicável a Súmula n. 400 do STF (AI n. 15.531/ SP, 1ª Turma, Rel. Ministro PEDRO ACIOLI, DJU 18.11.91, pp. 16.721/22; AI n. 15.786/SP, 1ª Turma, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, DJU 12.02.92, p. 999).
No mérito, a "quaestio juris" emoldurada no recurso reside em saber se a Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) revogou ou não a Lei n. 8.069/90, na alteração introduzida no parágrafo único do artigo 214 do CP, pelo seu artigo 263.
A matéria está assim delineada: A Lei n. 8.069, de 13.07.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), acrescentou um parágrafo ao artigo 214, estabelecendo a pena-base de 3 (três) a 9 (nove) anos, se o atentado violento ao pudor for praticado contra menor de 14 anos. A referida lei somente entrou em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação. Ocorre que no período da "vacatio legis" entrou em vigor a Lei n. 8.072/90 (em 26.07.90), dispondo no seu artigo 9º que as penas do artigo 214, "caput" e sua combinação com o artigo 223, "caput" e parágrafo único, são acrescidas de metade, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no artigo 224 do CP. E a alínea a do mencionado artigo refere-se à vítima não maior de 14 (quatorze) anos.
Desta forma, entende-se que a Lei n. 8.069/90 já entrou em vigor parcialmente revogada pela Lei n. 8.072/90, de vigência imediata, que disciplinou de modo diverso as matérias referentes aos itens 4 e 5 do artigo 263 da primeira lei.
Segundo o quadro fático estampado no acórdão recorrido, o crime noticiado nos autos foi praticado após a vigência da Lei n. 8.072/90, que definiu os crimes hediondos. Ressalte-se, por relevante, que na espécie não cabe a invocação do princípio da retroatividade benéfica da lei penal, pois a Lei n. 8.069/90 não é anterior à Lei n. 8.072/90, em razão do período de 90 dias que permaneceu sem vigência. E mesmo no período da "vacatio legis" uma lei sujeita-se à revogação por lei posterior.
Em caso semelhante, assim decidiu esta Turma:
"PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CRIME HEDIONDO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. I Não subsiste a alteração introduzida no artigo 214, do CP, pela Lei n. 8.069/90, porquanto no período de "vacatio legis", esta foi parcialmente revogada pela Lei n. 8.072/90 de vigência imediata, que disciplinou de modo diverso as matérias de que tratou nos itens 4 e 5 do artigo 263.
II Não é lógico nem jurídico conceder pena mais branda para o atentado violento ao pudor, quando a vítima é menor de 14 (quatorze) anos. O contra-senso é evidente e, segundo princípio assente da hermenêutica, deve sempre preferir-se a exegese que faz sentido à que não faz.
III Recurso conhecido e provido" (REsp n. 20.726-9/SP, Relator Ministro COSTA LEITE, "in" DJ 01.06.92 e RSTJ 34/ 464-469).
No mesmo sentido decidiu a Egrégia Quinta Turma, quando do julgamento do REsp n. 20.829, julgado em 19.08.92, assim ementado:
"PENAL. ESTUPRO.
I O Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13.07.90 foi revogado, parcialmente, no período da vacatio legis, através da chamada lei dos crimes hediondos, que fixou pena mais elevada para o crime de estupro.
II Recurso conhecido e provido, em parte, para adequar a pena-base ao mínimo previsto no artigo 6º, da Lei n. 8.072, de 1990" ("in" DJ de 08.09.92, pp. 14.371/2).
Como visto, o acórdão recorrido, além de divergir da jurisprudência desta Corte, negou vigência ao artigo 6º da Lei n. 8.072/90, que fixa a pena mínima de seis anos de reclusão para o crime de atentado violento ao pudor, bem como ao artigo 9º, do mesmo diploma legal, que prevê o aumento de metade da pena, sendo o réu menor de 14 anos.
Não se discute a questão do concurso material ou da continuidade delitiva, pois contra tal ponto não se insurgiu o Ministério Público.
Isto posto, conheço do recurso e lhe dou provimento com vistas a corrigir a pena que passa a ser a seguinte: 6 (seis) anos de reclusão (art. 6º da Lei n. 8.072/90), aumentada de mais um sexto (1 ano) em razão da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), ficando definitivamente fixada em 7 (sete) anos de reclusão, a serem cumpridos em regime fechado.
É o voto.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Srs. Ministros, acompanho o voto do Eminente Ministro Relator, considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 13 de julho de 1990, a teor do artigo 266, entrou em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação. Entendo e já tenho voto anterior, que fato praticado durante a "vacatio legis", aplica-se a lei mais favorável, não obstante estar ela revogada. Aliás, trazendo inclusive para fundamento, subsídios da Corte Constitucional da Itália.
Mas, no caso concreto, informo ao Sr. Ministro Relator que o fato aconteceu em fevereiro do ano seguinte, portanto já sem a incidência da Lei n. 8.069.
EXTRATO DA MINUTA
REsp n. 32.220-4 SP (93.0003601-7) Relator: Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal. Recorrente: Justiça Pública. Recorrido: Hércules Vittorazzo. Advogados: Dr. Percival Menon Maricato e outro.
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator (em 14.02.95 6ª Turma).
Votaram os Exmos. Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Pedro Acioli, Adhemar Maciel e Anselmo Santiago. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO.