Educação Física é Medicina?

Na introdução já vem debitada uma antiga dívida que a Educação Física tem com a Medicina. Em função dos favores prestados à saúde, as atividades físicas foram incluídas nos currículos escolares. Foi, ainda, a partir de conhecimentos sobre anatomia, fisiologia e outras disciplinas afins, que o professor de Educação Física adquiriu status profissional. Até hoje, quando um acadêmico de Educação Física pretende valorizar-se intelectualmente, busca socorro biomédico e faz um formidável discurso sobre aparelho circulatório, osteologia ou neuro-fisiologia. E, para tal, não lhe faltam incentivos. As Universidades que mantêm cursos de Educação Física geralmente os incluem em seus Centros ou Institutos de Ciências Biomédicas, Biológicas ou da Saúde. O currículo mínimo imposto aos cursos superiores da Educação Física brasileira abrange mais de 40% de matérias biomédicas. O restante fica para as áreas de formação geral, profissional e pedagógica.

Essa ênfase em assuntos biológicos leva muitos a considerarem Educação Física como ciência paramédica. O que não corresponde à realidade. As citadas disciplinas são ministradas por médicos, até mesmo as que não compõem o currículo das faculdades de Medicina. "Fisiologia do Exercício", por exemplo, muitas vezes deixa de ter a colaboração do professor especialista. Naturalmente a Educação Física pode e deve ter a ajuda docente dos médicos, mas estes devem ser encaminhados pelas suas instituições aos cursos de pós-graduação - já existem vários - na área que vão lecionar.

Não devemos negar autoridade aos médicos, nesse assunto, pela simples falta de diploma legal. Mas não devemos negá-la, também, aos professores que, além de serem os especialistas, estão devidamente habilitados.

Encarada a Educação Física essencialmente sob o seu aspecto biológico, o professor fica reduzido simplesmente a um "educador do físico". Será a Educação Física encarregada, apenas, de atender a aspectos físicos do ser humano? Ao analisar as ginásticas sueca, francesa e alemã, encontramos sistemas que foram criados com a pretensão de atender ao homem como um todo, facilitando o desenvolvimento humano sob os seus aspectos físico, moral e intelectual. Apesar da boa intenção, não conseguiram atingir plenamente as suas metas. De um modo geral, a prática constatava uma atenção exclusiva ao físico, em detrimento dos demais segmentos da personalidade. Isto porque a maioria daqueles métodos foi fundamentada em suportes biológicos, conferindo um caráter anatomofisiológico à prática dos exercícios físicos, levando-a a alcançar resultados limitados.

"Medicina: Arte e ciência de curar ou atenuar as doenças", é o que afirma Aurélio Buarque de Holanda. Ou seja, o médico é aquele que cura. E a Educação Física? E o seu agente, o professor? Essa radical identificação com a Medicina, apesar de coerente, beira as raias do exagero quando lemos que determinados técnicos estão coordenando "clínicas esportivas". O problema está na determinação de competências, a médica e a do professor. Ou, de outra forma, onde acaba uma e começa a outra. Ou, melhor ainda, de que modo compatibilizar as duas. A prática da corrida de rua, sem dúvida, exacerbou a questão. Exercício particularmente atuante sobre o sistema cardiopulmonar, a corrida melhora as condições orgânicas, mas pode também oferecer riscos. Estes podem ser prevenidos através de exames clínicos e de laboratório. Ninguém discute que este papel é do médico. Mas, liberada a pessoa para o treinamento e não sendo doente, o assunto torna-se fundamentalmente do professor, é ele o profissional habilitado para dar ao seu aluno - já não é mais paciente - uma adequada orientação metodológica. Será aquele que, pela sua formação pedagógica, está apto a preocupar-se com todos os aspectos, inclusive os psicológicos e sociais, envolvidos pela corrida e pela prática esportiva de um modo geral. Com ele, portanto, a palavra. Mas tal não ocorre. Os jornais e revistas especializadas desprezam a opinião de quem não podia deixar de ser ouvido. Afinal, a corrida é um exercício físico ou uma doença?

A Educação Física, analisada apenas à luz dos inúmeros e indispensáveis auxílios da Medicina, não se define. Deixa uma sensação estranha, de vazio, como se algo estivesse faltando. Talvez o perfil da ciência que trata do movimento ficasse delineado pela sua inserção na cultura.

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