Educação Física é Cultura?
René Maheu, ex-diretor geral da UNESCO, em seu trabalho "Desporto e Cultura", aborda vários pontos em comum entre esta e aquele. Destacaremos alguns que interessam à nossa análise. O espetáculo cultural, assim como o esportivo, promove uma inteira participação do público, que se torna ator e espectador ao mesmo tempo. Essa espécie de liberação emocional identifica-se com a atmosfera do teatro e da dança - as artes mais complexas -, segundo o autor. Liberando emoções e sentimentos, assume a função catártica que, desde Aristóteles, identifica-se no teatro. Uma outra característica que comunga o esporte e a cultura é o aspecto estético. Os gestos esportivos envolvem um tal domínio do tempo e do espaço que se equiparam aos "mais belos espetáculos de dança, as mais belas cadências da linguagem, os mais belos ritmos arquitetônicos e esculturais, ou os mais belos jogos de cores e de luz". Essa tese fica magnificamente reforçada quando analisamos o problema do estilo. Assim como dois artistas deixam a marca inconfundível da sua personalidade em suas obras, o gesto esportivo também evidencia individualidades. Por exemplo: duas pessoas nunca realizarão o mesmo salto, à mesma altura, do mesmo modo.
A prática, porém, não revela aquilo que poderíamos denominar dignificação do movimento corporal. Um dos maiores embaraços para entender a Educação Física na sua amplitude é a conhecida expressão "cultura física". Consagrada por um uso bem antigo, academias de ginástica e congêneres são sempre tidos como "centros de cultura física". Por mais que a manifestação visualizável da Educação Física esteja no corpo, a sua práxis não pode ser analisada apenas pela evidência corporal. Consciente ou não, o professor de Educação Física está atendendo a todo o ser. A ação é sobre o homem completo, o organismo total.
É evidente que qualquer concepção de cultura é muito abrangente, valendo apenas o exemplo para se ver como, irrefletidamente, a Educação Física tem sido considerada. Podemos definir a cultura pelos aspectos não- biológicos da vida humana, incluindo aí, além da tecnologia, os valores morais, os costumes e as tradições de um povo. A cultura é, pois, um comportamento aprendido. Podemos dizer, portanto, que o futebol faz parte da cultura brasileira, assim como a corrida está, cada vez mais, incorporando-se aos hábitos dos brasileiros, principalmente os da classe média. Da mesma forma, o basquete marca profundamente a vida norte-americana e a ginástica inclui-se entre os costumes soviéticos.
Apesar de a História não esconder a importância dos exercícios físicos como expressão cultural, a mesma História sempre evidenciou preconceitos em relação à Educação Física. A religião - particularmente o cristianismo, no mundo ocidental - em alguns momentos inibiu a prática das atividades físicas, condicionando a evolução espiritual à negligência de tudo que, de alguma forma, exaltasse o corpo. O mundo intelectual também, por vezes, colaborou para a formação de idéias preconcebidas sobre a Educação Física. A intelectualidade quase sempre desprezou o trabalho físico,
menosprezando-o e contrapondo-o ao trabalho intelectual. Às vezes, por refinamento conceituai. Outras tantas, por um jogo ideológico. E os exercícios físicos, aparentemente enaltecendo apenas o corporal, nem sempre mereceram destaque no plano cultural.
A História não valida esta tese. Muito ao contrário. Demonstra o "presente" das atividades físicas em todas as manifestações culturais. As iniciativas do homem guardam características lúdicas que chegam mesmo a destacá-lo como um ser jogador. O jogo assume um papel que extrapola o nível fisiológico, adquirindo uma autêntica função simbólica para os seus praticantes. Todos sabem que os jogos de movimento ocupam um lugar de realce nas aulas de Educação Física.