Educação Física é Jogo?

"Mestre, hoje é física ou bola?" Essa pergunta, muito ouvida por professores de Educação Física, leva-nos a uma série de reflexões. Por "física", os estudantes entendem que se trata de uma aula de ginástica, com uma série de exercícios, não muito bem assimilados, geralmente analíticos. "Bola", para eles, é um jogo - quase sempre futebol ou queimada - que, assim como a "física", são peças isoladas de um complicado quebra-cabeças difícil de montar. O jogo, no que interessa ao momento desta análise, não pode ser reduzido à idéia de "bola". Jogando, mais do que em qualquer outra atividade, as pessoas têm oportunidade de se reconstituírem como tais, reintegrando o cognitivo, psicomotor e afetivo-social num todo que muitos teimam em negar.

Seguramente, o jogo traduz a mais autêntica manifestação do ser humano. Apesar de não ficar restrito ao âmbito da Educação Física, nela, o jogo tem oportunidade de se manifestar em toda a sua plenitude. Por intermédio do jogo, as pessoas aprendem a se relacionar utilizando normas que emanam do próprio convívio, identificando espontânea e democraticamente a necessidade da elaboração de um código de direitos e deveres. Huizinga, filósofo holandês, em seu clássico Homo Ludens, aponta seis características do jogo que apóiam a busca de uma definição:

1) O jogo é uma atividade voluntária. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma imitação forçada.

2) O jogo não é vida "corrente" nem vida "real". Trata-se de uma evasão para uma esfera temporária de atividade com orientação própria.

3) No jogo há algo em suspenso, o seu resultado é incerto. Sempre existe a possibilidade do êxito ou do fracasso.

4) O jogo cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada, exigindo uma ordem suprema e absoluta.

5) O jogo é praticado dentro de certos limites próprios de espaço e de tempo.

6) O jogo cria a sociabilidade, o partilhar algo importante, conservando a sua magia para além da duração do jogo.

Extraindo idéias-chaves dessas características, podemos afirmar que o jogo é "toda a ação livre, desenvolvida dentro de certos limites de tempo e espaço, não fazendo parte da vida ordinária e que, contendo algo de incerto, cria a ordem e estimula a sociabilização".

São incontáveis os estudos que se dedicaram a uma análise profunda do jogo. Aqueles ligados à psicologia infantil são os que encontram maior campo de aplicação na Educação Física. Os jogos passam a integrar os currículos escolares sem a conotação de simples passatempo inconseqüente. Muito pelo contrário, adquirem um lugar de destaque. As atividades em forma de jogo são as que mais podem facilitar o desenvolvimento da criança, em virtude da riqueza de oportunidades que o lúdico oferece. O jogo é um recurso metodológico capaz de propiciar uma aprendizagem espontânea e natural. Concorre para a descoberta e minimiza a atmosfera predominantemente artificial e tecnicista que impera nos meios educacionais. Estimula a crítica, a criatividade, a sociabilização e a socialização, sendo, portanto, reconhecido como uma das atividades mais significativas - senão a mais significativa - pelo seu conteúdo pedagógico-social.

A partir de um determinado instante, o jogo pode perder as suas características de atividade livre, com o aparecimento de regulamentos rígidos que, pouco a pouco, vão cristalizando a sua espontaneidade original. A universalização dessas regras - agora impostas - e a burocratização estabelecida por federações e confederações transformam a atividade do jogo em esporte.

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