A Educação Física e a Afetividade

O fanatismo "científico", característico dos nossos dias, considera que apreciar atitudes, idéias e traços de caráter seja um modo pré-científico de analisar o comportamento humano. A tendência comportamentalista ("behaviorista") opõe-se ao estudo das teorias preocupadas em explicar os processos mentais e que admitem a existência daquele "homem interior" ao qual já nos referimos. Considera que o importante é o comportamento manifesto, ou seja, o "homem exterior". Ao pesquisar personalidades, propósitos e intenções, considerando-as como atributos de um "homem interior", não se estaria dando um passo à frente na abordagem "científica" do comportamento. O que precisaria ser explicado é o "homem exterior". Afinal, foi à imagem deste que o "homem interior" teria sido criado. Os comportamentalistas admitem a existência de processos mentais superiores, mas não vêem no comportamento que se manifesta uma dependência do que acontece no interior do organismo humano. Objetivamente, este comportamento observável será formado pelas contingências de reforço (o efeito de alguma coisa sobre a pessoa) que, aplicadas acidental ou deliberadamente, modificam o comportamento. Recomendam a criação de uma tecnologia do comportamento - e o planejamento da própria cultura - que possibilite alterações expressivas na conduta humana.

Os reflexos das teorias behavioristas extrapolam as paredes dos laboratórios freqüentados por ratos, pombos e cães. Transmitem uma visão do mundo onde as pessoas seriam meros espectadores de uma cena dirigida por alguns poucos, conhecedores do que é melhor para os demais. A Educação, de um modo geral, sofre as conseqüências dessa cosmovisão. Desprezando interesses, sentimentos, atitudes, emoções e valores, distancia o aluno da sua realidade existencial, numa concepção antidialética dessa existência.

Carl Rogers, um dos maiores opositores dessas idéias, considera que a aprendizagem convencional opera a nível puramente intelectual,

situando-se, conforme expressão muito feliz, "do pescoço para cima": é a aprendizagem de sílabas sem sentido (baz, ent, nep, arl) ou exercícios de memorização sobre fatos e datas históricas. Levantar um braço não tem significado, a menos que o levantemos para saudar um amigo, lançar uma bola ou tocar em algum objeto. Inspirados na imagem que Rogers criou, podemos afirmar que, em Educação Física, a aprendizagem opera "do pescoço para baixo". Para cima ou para baixo, o mais importante é a negação da totalidade do homem.

Nas aulas de Educação Física, desenvolver as qualidades físicas é, sem dúvida, um dos objetivos mais importantes a serem atingidos. Quando desejamos enfatizar a qualidade física chamada resistência aeróbica, imprescindível para os corredores, pedimos aos alunos que corram em torno da quadra. Voltas e mais voltas desenvolverão, por certo, a resistência almejada. Esse exercício, porém, carece de significado. Além de não promover um envolvimento intelectual e afetivo, em que circunstância essa tarefa será repetida? É fácil constatar que as pessoas só correm em círculos nas aulas de Educação Física! Por isso mesmo, todas as vezes que, durante uma aula, pedimos a adultos para correrem, eles imediatamente o fazem em círculo, embora haja bastante espaço e esta sugestão não tenha sido dada. Estão condicionados. Correr em círculo é um exercício com tão pouca significação - principalmente para crianças - quanto correr no mesmo lugar ou correr para trás, que contrariam os objetivos inerentes ao ato da corrida. Seria o mesmo que nadar sem água ou jogar voleibol sem bola.

É preciso que os exercícios físicos não sejam o fruto da pura imitação mecânica; só assim a Educação Física passará a estimular a inteligência, não embrutecendo o indivíduo, é importante que as pessoas se movimentem tendo consciência de todos os seus gestos. Precisam estar pensando e sentindo o que realizam. É necessário que tenham a "sensação de si mesmos", proporcionada pelo nosso sentido cinestésico (propriocepção), normalmente desprezado. Caso contrário, estaremos diante da "deseducação física".

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