A Educação Física e a Sociedade

As escolas e os meios de comunicação quase sempre trabalham para produzir - como numa fábrica - indivíduos "adaptados" à sociedade a que pertencem. As pessoas são formadas (ou deformadas) para exibir um perfil dependente, acrítico e submisso. O restabelecimento dos laços que identificam o homem com a sociedade implica, inicialmente, a identificação deste homem consigo mesmo. A Educação Física pode participar neste processo, criando ambientes favoráveis para alguém tornar-se, realmente, pessoa.

Implantada por militares em diversos países, a Educação Física objetivava unicamente o treinamento físico-militar, necessário à sua formação. Esse espírito foi, nesses países, transferido para o meio civil. Neste, primeiro

foi ministrada pelos próprios militares e, posteriormente, por civis. Estes não consideraram a inadequação dos métodos militares à prática educacional, criando uma tradição de rigidez disciplinar que não se coaduna com o ambiente civil. O professor de Educação Física passou a assumir o papel de preparador físico, incorporou às suas aulas exercícios de ordem unida e tornou-se um "disciplinador por excelência".

As funções da Educação Física, porém, não se esgotam no seu relacionamento com o indivíduo. Este não deve ficar isolado do contexto no qual está inserido, pois corre o risco de se transformar num simples paciente (agora no sentido social) das forças que interagem à sua volta. A Educação Física, apesar de ser uma atividade essencialmente prática, pode oferecer oportunidades para a formação do homem consciente, crítico, sensível à realidade que o envolve. Mas pode, também, gerar o conformista.

Inúmeras passagens históricas ilustram a utilização da Educação Física como meio de adaptação dos indivíduos ao pensamento dominante. Um dos exemplos mais enfáticos é o da formação de associações civis destinadas a "prestar culto à pátria". São bem significativos os modelos do tipo "Juventude Hitlerista", "Juventude Brasileira", "Mocidade Portuguesa", "Juventude Comunista" etc., criados na primeira metade do século. Essas instituições tinham, oficialmente, a finalidade de proporcionar educação cívica, moral e física aos cidadãos. Longe de pretender uma autêntica participação social, os seus objetivos eram, principalmente, ajudar a implantar um clima de passividade social. Não propiciavam oportunidades para o desenvolvimento de mentes críticas. Existiam apenas para massificar consciências, unificando-as de acordo com os interesses dominantes. A educação cívica não nascia de um comprometimento do indivíduo com interesses comunitários. Era a subserviência às normas arbitrariamente estabelecidas pelo poder. A educação moral não emanava do convívio grupal. Era imposta sob forma de disciplina moral. A Educação Física não era propriamente educação, era adestramento, vigor físico. Cultura do físico.

Não é somente pela coação que a Educação Física pode atuar na sociedade. A cooperação é um canal que, adequadamente utilizado, ajuda na formulação de valores significativos para o grupo social. O jogo é a forma mais simples e natural para o desenvolvimento de um sentimento grupal, é o elemento da cultura que contém maiores possibilidades para sociabilizar (tornar sociável) e também socializar (estender vantagens particulares ao grupo). No jogo, a administração do choque de interesses individuais acontece numa atmosfera liberal. O jogo, enquanto ação livre, oferece reais oportunidades para o exercício da democracia. A dinâmica do jogo permite a emergência de valores genuínos, em lugar daqueles que, normalmente, são impostos.

Com o objetivo de estimular sedentários à prática de exercícios físicos, surgiu na Noruega (1967), uma campanha denominada TRIM. Expandiu-se rapidamente pela Europa e alguns países da América, sendo traduzida como Particip Actíon (Canadá), Physical Fitness and Sports (EUA), Fit-Aktion (Áustria) etc. Consagrou-se internacionalmente com a denominação

"Esporte para Todos", passando a representar um modelo alternativo para o planejamento do ócio. "Esporte de massa", "Esporte recreativo" ou "Esporte comunitário" inspira-se, pelo menos teoricamente, nos ideais da Educação Permanente: "Um sistema aberto que utiliza toda a potencialidade da escola e da sociedade para produzir os valores, conhecimento e técnica como base à práxis humana em toda a sua extensão" (Durmeval Trigueiro Mendes). Sintetizando os conceitos de cultura e educação, seria o instrumento ideal para a vinculação do indivíduo à sociedade. O Esporte para Todos seria a manifestação, na Educação Física, dos ideais da Educação Permanente: a Educação Física Permanente. Desvinculado do esporte formal, não é um espaço para o surgimento de "talentos" esportivos. Dispensa paternalismos, dependendo de recursos criados pela própria comunidade.

A Educação Física Permanente é a tendência nobre da Educação Física atual. Infelizmente, as coisas são boas ou más dependendo do uso que delas se faz. O Esporte para Todos pode desviar-se dos seus objetivos quando atende a outros interesses, que não os da comunidade. Nesse caso, acontece uma total inversão de valores. Atendendo a exigências do mercado consumidor, elitiza a prática esportiva. Utilizado como apoio para o esporte de alto nível, formaliza-se. Contagiado ideologicamente, serve para camuflar realidades sociais e obstrui a ação comunitária.

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