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Artigo 166

(JTJ Volume 177 Página 14)


ADOÇÃO Intuitu personae Possibilidade jurídica do pedido Validade da manifestação de vontade da genitora, em ver seu filho adotado pelo casal recorrente Interpretação do artigo 166 da Lei Federal n. 8.069, de 1990 Prosseguimento do feito ordenado Recurso provido para esse fim.


Apelação Cível n. 21.010-0. ACÓRDÃO

Está assim redigida a ementa oficial:


Adoção Indeferimento de plano de pedido formulado por casal escolhido pela própria genitora da criança Inadmissibilidade

Lei Federal n. 8.069, de 1990 que autoriza a chamada "adoção intuitu personae" Recurso parcialmente provido, para afastar o indeferimento liminar do pleito. ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, rejeitada a matéria preliminar, dar provimento em parte ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Yussef Cahali (Presidente) e Ney Almada.


São Paulo, 19 de outubro de 1995. DIRCEU DE MELLO, Relator. VOTO


Cuida-se de apelação interposta, em face da respeitável decisão de fls. 16, que indeferiu, liminarmente, o pedido de adoção deduzido pelos apelantes, relativamente à criança R. N. O apelo levanta preliminar de nulidade, por falta de prévia manifestação do Ministério Público acerca da pretensão dos recorrentes e por descumprimento do disposto pelo artigo 458 do Código de Processo Civil. No mérito, pede o deferimento da pretendida adoção.


Processado o recurso e mantida, a final, a respeitável decisão impugnada, nesta Instância manifestou-se a douta ProcuradoriaGeral de Justiça pelo seu improvimento.


Esse o relatório.


1. É bem certo que o douto Magistrado descumpriu o comando do artigo 458 do Código de Processo Civil, cuja observância era de rigor, já que a respeitável decisão impugnada examinou e decidiu o mérito da pretensão dos apelantes, de adotarem a criança

R. N.


E também é bem certo que o Meritíssimo Juiz de Direito não cuidou de ouvir o Ministério Público antes da prolação da sentença, a teor do que determina o artigo 202 da Lei Federal n. 8.069, de 1990. Vale observar, em atenção às contra-razões do Doutor Promotor de Justiça (fls. 87/92), que a manifestação de fls. 15 não se referiu e nem poderia mesmo ter-se referido à situação retratada no relatório de fls. 16-17.


Supera-se, contudo, a nulidade, por não se vislumbrar a ocorrência de efetivo prejuízo aos interessados ou ao Ministério Público (que expressamente defendeu sua rejeição). Incide, na espécie, o princípio pas de nullité sans grief.


2. Enfrenta-se, então, o mérito do apelo.


Como colocado por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança n. 20.561-0-6, a jovem A. N., logo depois do nascimento do filho, manifestou, ainda na maternidade, a intenção de entregá-lo em adoção. O fato chegou ao conhecimento da Vara da Infância e da Juventude de ... e, por isso, uma assistente social daquele Juízo foi entrevistá-la. A intenção foi ratificada.


Os avós maternos do infante acabaram pleiteando sua guarda, que lhes foi deferida. Entretanto, passados apenas quinze dias, a genitora da criança compareceu perante o Juízo da Infância e da Juventude para manifestar seu consentimento com a adoção de seu filho por parte dos apelantes.


Os recorrentes foram rapidamente entrevistados pelo setor técnico da Vara, restando inequívoca a intenção deles de pleitearem a adoção. Sobreveio, então, a respeitável sentença guerreada, que apreciando de plano o pedido dos apelantes, indeferiu-o. Daí o recurso, para inversão do decidido.


Existiu, como se vê, pedido de adoção. Tanto que foi apreciado. Não colhe, assim, data venia, a afirmação da ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, no sentido de que não existe pretensão deduzida.


Na Justiça Especializada da Infância e da Juventude não se reclama o rigor do processo civil. É muito comum, por isso, que os pedidos de adoção sejam deduzidos perante o setor técnico dos Juízos menoristas, por ocasião do atendimento dos interessados. Foi o que ocorreu.


O caso sob exame, de qualquer forma, versa peculiaridade: é que não existe, de fato, conflito de interesses a ser dirimido. A. N. concorda com a adoção de seu filho por parte dos recorrentes. Do mesmo modo, os avós maternos do infante.


A divergência repousa, apenas, na discussão acerca da possibilidade jurídica de os genitores de uma criança elegerem seus adotantes.


Como também já colocado por ocasião do julgamento do mandado de segurança antes referido, pode-se levantar, até com certa facilidade, inúmeros argumentos contrários à chamada adoção intuitu personae. Mas à vista da letra do artigo 166 da Lei Federal n. 8.069, de 1990, não se pode negar sua recepção pelo ordenamento jurídico.


Decorre daí que nada impedia que a genitora do pequeno R. manifestasse, validamente, sua pretensão de ver seu filho acolhido, para fins de adoção, pelo casal apelante.


Com isso não se transforma o Juízo da Infância e da Juventude em mero homologador de decisões já tomadas pelos interessados, como pareceu ao Doutor Juiz de Direito.


E isso porque cabe ao Juiz verificar se o casal escolhido para a adoção não esbarra no óbice de que trata o artigo 29 da lei de regência. Se esse o caso, a pretensão de adoção deve, sem dúvida, ser indeferida. Caso contrário, vale dizer, inexistindo obstáculo à pretensão manifestada, deve ela ser acolhida. O caso de que se cuida, é certo, está cercado de circunstâncias que acabaram mesmo não esclarecidas (verbi gratia, não se sabe porque os avós maternos do infante não manifestaram, desde logo, ao Juízo a impossibilidade de assumirem a criação e educação do neto; não se sabe por qual motivo os apelantes não se apresentaram, também desde logo, ao mesmo Juízo, para postularem a adoção, uma vez que tudo demonstra que a criança lhes foi entregue logo depois do nascimento).


Mas essas circunstâncias não apontam para a "fraude" a que se referiu o douto Magistrado.


O próprio relatório de fls. 16-17 observa que, a princípio, nada há em relação ao casal apelante que o inabilite para a pretendida adoção. Ao que tudo indica, por outro lado, a criança está bem amparada, recebendo dos apelantes o afeto, os cuidados e a educação de que é merecedora.


O apelo, portanto, merece acolhida, para o fim de se afastar o indeferimento de plano do pedido de adoção. Reconhecida, assim, a legitimidade do pleito, caberá ao douto Juízo de origem promover os estudos técnicos necessários sobre a conveniência, para a criança, da pretendida adoção (Lei Federal n. 8.069, de 1990, artigo 43). Em outras palavras, apurar-se-á, de um lado, sobre a adaptação do infante no lar substituto e, de outro, sobre a efetiva disponibilidade dos apelantes para exercerem, definitivamente, as funções parentais, considerando-se, inclusive, o tempo já decorrido desde o acolhimento do pequeno R. no lar dos recorrentes.


3. O pedido de redistribuição do feito para a Comarca da ..., onde residentes os apelantes, deduzido às fls. 151-152, não pode ser apreciado neste recurso. Cuida-se de providência que, se o caso, deve ser requerida ao Juiz do feito. 4. Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, para o fim de se reconhecer a possibilidade jurídica do pedido de adoção deduzido pelos apelantes, prosseguindo o feito, a partir de agora, na forma acima exposta.