Segundo tempo
Após a Abolição e a Proclamação da República, as expectativas da vida na sociedade brasileira estavam alteradas: a afluência de jovens aos grandes centros, a iminência de sedentarização provocada pela revolução nos meios de transporte e a influência da imigração fomentada após a Abolição precipitaram impulsos decisivos em relação a uma preocupação mais sistemática com a Educação Física. O futebol, importado da Inglaterra em 1894, começa a escalada que o levaria, na década de trinta, a suplantar definitivamente o remo - a primeira paixão esportiva brasileira. Inicialmente praticado pelas classes privilegiadas, o futebol rapidamente popularizou-se, no início do século. Em uma roupagem não-formal, começou a aparecer sob a forma de "peladas". Além desse esporte, transformado na nossa monocultura esportiva, vários outros são introduzidos, ainda no século passado: a natação (1896), o basquete (1898), o tênis (1898) etc. é registro histórico a fundação (1908), no Rio de Janeiro, da primeira academia de ginástica, origem dos estabelecimentos dessa natureza, tão em moda nos dias de hoje.
A educação brasileira, nessa época, estava vinculada ao esdrúxulo Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos! Todas as reformas
educacionais, desde o começo da República, faziam referências à Educação Física. Merece destaque especial, na Educação Física escolar, a presença do professor Arthur Higgins, já citado na introdução, defensor do método sueco de ginástica. Foi docente do Ginásio Nacional e da Escola Normal (atuais Pedro II e Instituto de Educação) - os principais educandários da época. Publicou um livro (1896) que, alguns anos depois foi adotado oficialmente no então Distrito Federal.
As ginásticas alemã e sueca sofreram, em 1921, um golpe fatal. Um decreto aprova o "Regulamento de Instrução Física Militar", destinado a todas as armas e inspirado na ginástica natural francesa, veiculada pela Escola de Joinville-le-Pont. No ano seguinte, uma portaria do ministro da Guerra institui o Centro Militar de Educação Física, destinado a "dirigir, coordenar e difundir o novo método de Educação Física e suas aplicações desportivas". Mas essa Portaria não chegou a vigorar. Isto só ocorreu sete anos mais tarde, com a criação do Curso Provisório de Educação Física, onde, além de oficiais, matricularam-se vários professores civis. Finalmente, em 1933, foi fundada a Escola de Educação Física do Exército, que permitia, também, a matrícula de professores civis. Até a criação desta última, encontramos apenas dois estabelecimentos especializados: as Escolas de Educação Física da Força Policial (São Paulo) e a do Centro de Esportes da Marinha (Rio), esta última tendo sido a primeira a formar especialistas em Educação Física, a nível de praças (1925).
A introdução do chamado Método Francês é, também, um fato marcante. Originário, ainda, de Joinville-le-Pont, foi trazido por militares franceses que vieram servir na Missão Militar Francesa. Adotado nas Forças Armadas, a sua obrigatoriedade foi estendida à esfera escolar (1931), "enquanto não for criado o Método Nacional de Educação Física". O Regulamento de Educação Física da Escola Militar de Joinville-le-Pont foi a bíblia da Educação Física brasileira durante mais de duas décadas. As limitações conceituais do citado Regulamento ficam expressas quando, definindo Educação Física, rezava:
"A Educação Física compreende o conjunto dos exercícios cuja prática racional e metódica é suscetível de fazer o homem atingir o mais alto grau de aperfeiçoamento físico, compatível com a sua natureza".
A década de trinta dispensa ao esporte, principalmente ao futebol, uma popularidade que já o coloca como fenômeno social. A ginástica também começa a popularizar-se, inclusive sendo utilizada pelos meios de comunicação de massa. É o caso de "A hora da ginástica", programa de rádio que foi ao ar até há pouco tempo.
No final dos anos trinta, surge a Escola Nacional de Educação Física e Desportos, integrada à Universidade do Brasil (atual UFRJ). Entre os diversos cursos de formação de professores que surgiram nessa época foi, inegavelmente, o mais importante. Teve o seu corpo docente treinado por
médicos e professores. Estes últimos, egressos de um Curso de Emergência orientado didaticamente pela Escola de Educação Física do Exército. A Educação, depois de se desvencilhar do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, havia feito parte do Ministério da Justiça para, agora, inserir-se no Ministério da Educação e Saúde. Aqui estava, também, a Educação Física. Recebeu muitos incentivos depois de 1930, principalmente no capítulo esporte. O futebol continuava monopolizando a vida esportiva nacional, mas o basquete, a natação e o atletismo, entre outros, já despertavam a atenção.
A Educação Física, por ocasião da implantação do Estado Novo, passa a servir como instrumento ideológico, como, de resto, tudo que pudesse servir ao mesmo fim. Pela primeira vez, a Educação Física aparece explicitamente numa Carta Constitucional (1937). Instituiu-se a "Juventude Brasileira", onde estavam inscritos compulsoriamente todos os estudantes. Foi um dos meios de divulgação do "nacionalismo" que impregnava os nossos governantes. Os "centros cívicos escolares" foram subprodutos daquela "Juventude". Nesses centros, a prática da Educação Física e a participação em comemorações e desfiles "cívicos" eram fundamentais para a consolidação da ditadura instalada.
Até a década de cinqüenta, a Educação Física escolar continuou aprisionada ao Método Francês. O professor Alfredo Colombo, diretor da Divisão de Educação Física do Ministério da Educação, conseguiu desobrigar a aplicação do superado método. A seguir, a vinda de professores estrangeiros - tal como Rui Barbosa reclamara no século anterior -, começou a alterar o programa da Educação Física escolar brasileira. Em relação ao esporte de alto nível, o Brasil projeta-se como potência em quase todas as modalidades no confronto sul e pan-americano. Continua carente, porém, até hoje, das tão almejadas "medalhas olímpicas", a serviço de quem, inadvertida e prioritariamente, muitos querem colocar a Educação Física.
O Esporte para Todos, implantado recentemente, aparece como tentativa de democratização esportiva. Foi iniciado com a campanha "Mexa-se" (1975), pela televisão. Ainda é muito incipiente e corre o constante risco de manipulação ideológica - no caso de não ser respeitado no conteúdo pedagógico-social que o anima. Este movimento, cada vez mais internacionalizado, coincide e é alimentado por uma espécie de redescobrimento do corpo, que havia sido algo desprezado durante os anos hippies.
Mexa-se.