A Educação Física e o Indivíduo
O início de nossas reflexões deveria recair sobre uma questão que sempre foi transcendental para o homem: ele mesmo. Quem é esse homem que se movimenta, desde a pré-história, pelos mais dignos ou estranhos motivos? Desde cedo, vários pensadores formularam hipóteses acerca da existência de um lado imaterial no ser humano. É o chamado homem interior. Mesmo os que aceitavam essa possibilidade especulavam em relação a uma justaposição (atomismo) ou uma interatuação (holismo) entre o material e o imaterial no homem. Alguns estabeleciam um abismo entre a mente e a matéria, outros viam o homem como unidade psicossomática, onde o corpo e a mente formavam um todo indivisível. Para fins analíticos, podemos observar o ser humano sob os seus diversos aspectos - afetivo, psicomotor e intelectual. Não devemos aceitar, porém, o fato de, isoladamente, qualquer desses componentes manter-se incólume à ação dos demais.
Admitindo o ser humano existindo como um todo, transparece a idéia de que o professor de Educação Física não pode, mesmo desejando, tratar apenas do físico das pessoas. Seria impossível, nessa perspectiva. Desaparece definitivamente a imagem do "educador do físico".
A sua ação explícita é sobre o corpo, sem dúvida. Mas os benefícios extrapolam o corporal. Nessa medida, falham os currículos que se preocupam essencialmente com as matérias biomédicas e as técnicas esportivas, desprezando o estudo da Filosofia e da História, entre outras. Em vários cursos, essas disciplinas existem, mas quase sempre relegadas a um segundo plano, como assuntos irrelevantes e descartáveis. Essa discriminação aliena a Educação Física de alguns dos seus propósitos mais autênticos, fazendo-a assumir uma postura dogmática, acrítica, onde o discurso sobre o homem torna-se fragmentado e secundário.
Não pretendemos excluir o desenvolvimento da aptidão física das preocupações da Educação Física. Nem o desenvolvimento de habilidades motoras por intermédio dos jogos e esportes. Correríamos o risco de descaracterizar a profissão. O fundamental é que se compreenda que essas atividades são meios e não fins. À medida que o desempenho esportivo, materializado pelo recorde, passa a encher os olhos dos alunos, professores e administradores, os valores mudam de direção. O que devia ser meio transforma-se em fim. Essa cegueira pedagógica assume proporções inaceitáveis. Um bom exemplo são as escolas que oferecem bolsas de estudo para atletas de um clube, fazendo-se representar por uma equipe de alto nível em campeonatos escolares. Nessa escola, esporte não é Educação Física. Imaginemos qual o tipo de motivação que os alunos têm em suas aulas, conhecendo as barreiras intransponíveis para jogar nas equipes representativas. Alguém pode argumentar que a competição esportiva não é o único - nem o principal - objetivo da Educação Física. Nessa escola, porém, será o único que receberá todas as honras.
Em relação à ginástica, alguns modelos ainda sugerem massificação, na medida em que não respeitam as características e limitações individuais. O conhecido "1, 2, 3, 4" ainda reflete preceitos recomendados há quase um século. Esse mecanicismo não atende à sagrada individualidade das pessoas, coisificando-as. Uma verdadeira agressão ao eu. A mesma carga de trabalho, todos realizando os mesmos exercícios da mesma forma, começando e terminando na mesma hora. Essa tendência à uniformidade contribui para o desestímulo da prática da ginástica, pois sacrifica os menos aptos e não satisfaz os bem preparados. A Educação Física tem de respeitar os níveis de maturidade motora, a capacidade de rendimento e os interesses individuais. São pressupostos para que a ginástica seja Educação Física. Caso contrário, não passará de adestramento físico.