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Artigo 26
(JSTJ e TRF Volume 90 Página 143)
RECURSO ESPECIAL N. 57.505 MG (94.0037011-3)
Quarta Turma (DJ, 09.09.1996)
Relator: Exmo. Sr. Ministro César Asfor Rocha Recorrentes: Emília Helena Águas de Oliveira e outro Recorrida: Maria Aparecida Gomes de Oliveira
Advogados: Drs. Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outros e Sebastião Rocha de Medeiros e outros
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE INCIDENTALMENTE POR ESCRITURA PÚBLICA. UNIÃO ESTÁVEL. ARTS. 357 DO CÓDIGO CIVIL E 984 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
I Desde que documentalmente comprovados os fatos no curso do inventário, sem necessidade de procurar provas fora do processo e além dos documentos que o instruem, nesse eito é que devem ser dirimidas as questões levantadas, prestigiando-se o princípio da instrumentalidade, desdenhando-se as vias ordinárias.
II Recurso conhecido e parcialmente provido, vencido parcialmente o Relator, que o recebia em maior extensão.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, vencido em parte o Sr. Ministro Relator, que lhe dava parcial provimento em maior extensão. Os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro acompanharam o voto do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Custas, como de lei.
Brasília, 19 de março de 1996 (data do julgamento). Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA, Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA: Maria Júlia do Carmo Águas e Emília Helena Águas de Oliveira, mãe e filha, ora recorrentes, requereram, em 11 de maio de 1992, a abertura do inventário dos bens deixados por Pedro Gomes de Oliveira, a primeira qualificando-se como sua esposa e a segunda como sua filha reconhecida.
Com o fito de comprovarem essas condições, juntaram, no andamento do feito, dentre outros documentos, os seguintes:
a) cópia de uma escritura pública de compra e venda da nua propriedade de um apartamento, datada de 27 de outubro de 1967, na qual consta o seguinte:
"... e de outro lado, como outorgada compradora da nua propriedade, Emília Helena Águas de Oliveira, menor impúbere, representada por seu pai Sr. Pedro Gomes de Oliveira que juntamente com sua mulher Maria Júlia do Carmo Aguiar compram..." (fls. 160/160v.).
b) certidão de registro de nascimento de Emília Helena Águas de Oliveira, em que foi declarante a mãe, datada de 1º de março de 1969 (fl. 67);
c) certidão do casamento religioso do falecido com a primeira recorrente, realizado em 31 de março de 1957 (fl. 74);
d) procuração pública, datada de 20 de julho de 1957, em que Maria Júlia "constituía seu bastante procurador seu esposo Pedro Gomes..." (fl. 73); e) procuração pública, datada de 10 de março de 1992, constando que Pedro Gomes "... casado com a outorgada..." constituía Maria Júlia como sua bastante procuradora "... para tratar de todos e quaisquer assuntos de interesse do outorgante e do casal..." (fl. 77);
f) declarações do Imposto de Renda de Pedro Gomes em que o declarante afirma que Maria Júlia e Emília Helena são suas dependentes (fls. 78/86); g) cópia da matrícula do registro da escritura de compra e venda de um grupo de salas, datada de 11 de fevereiro de 1985, em que aparecem como adquirentes "... Pedro Gomes: casado com Maria Júlia" (fl. 90);
h) cópia da escritura pública de desapropriação, datada de 9 de abril de 1965, em que "... compareceram como outorgantes expropriados (vendedores) Pedro Gomes e sua mulher D. Maria Júlia do Carmo Águas, sendo esta representada por seu marido..." (fl. 91);
i) cópia do registro da escritura pública de compra e venda de uma casa, datada de 4 de fevereiro de 1972, em que são transmitentes "... Pedro Gomes... e sua mulher Maria Júlia..." (fl. 93);
j) retratos de família (fls. 55/58).
Obs.: Às fls. reportadas nos itens d a j, "supra", estão no processo apenso.
No curso do processo, Maria Aparecida Gomes de Oliveira, alegando ser sobrinha do falecido, pelo que seria também sua herdeira, opôs-se à pretensão das requerentes, argüindo que Maria Júlia não fora casada civilmente com Pedro Gomes, e que Emília Helena não seria filha biológica quer de Maria Júlia, quer de Pedro.
A MMª Juíza processante, por entender que da documentação acostada não poderia dar a primeira recorrente como meeira e a segunda como herdeira, decidiu que todas as questões levantadas seriam de alta indagação e com fincas no disposto no artigo 984 do Código de Processo Civil remeteu as partes para as vias ordinárias, suspendendo, em conseqüência, o curso do processo de inventário.
Inconformadas, as recorrentes agitaram agravo de instrumento alegando que o artigo 357 do Código Civil e o artigo 984 do Código de Processo Civil teriam sido violados. A uma, porque "o artigo 357 do Código Civil e sua versão atual do artigo 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n. 8.069/ 90, admitem três formas autônomas de reconhecimento voluntário de filho ilegítimo, qualquer delas válida e suficiente por si só: no termo de nascimento; por escritura pública; ou por testamento" (fl. 7).
Argumenta que quando a lei admite o reconhecimento por escritura pública não impõe que esse instrumento seja um ato público especial, sendo bastante a existência de declaração da paternidade de modo incidente ou acessório, em qualquer ato notarial, não se reclamando palavras sacramentais, conforme a lição de Washington de Barros Monteiro, transcrita pelas recorrentes à fl. 9.
A duas, quando o artigo 984 do CPC, porque "consoante a doutrina de melhor tradição, questões de direito, mesmo intrincadas, e questões de fato documentadas resolvem-se no Juízo do inventário, com desprezo da via ordinária", conforme lição do em. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, no REsp n.
4.426 (DJU 20.05.91), citado pelos recorrentes.
O Eg. Tribunal "a quo" negou provimento ao agravo, conforme dão conta os seguintes excertos, extraídos da r. decisão recorrida:
"No registro de nascimento de Emília Helena (fl. 67/TJ), consta como sendo seu pai Pedro Gomes de Oliveira, sendo de se ressaltar que foi declarante a própria mãe, que nunca foi civilmente casada com o "de cujos", e o nome do pai inserido no referido registro não produz ato de reconhecimento de paternidade, eis que este é ato pessoal do pai, que, no momento do assento, tinha que ter declarado, na presença de testemunhas, ser ele o pai de Emília, o que não ocorreu, e a indicação pela mãe não vale como confissão paterna. De mais a mais, já foi interposta contra Emília Helena ação negatória de paternidade, conforme se infere da decisão agravada, o que comprova que a paternidade pleiteada foi impugnada, e está sendo discutida, ao contrário do afirmado pelas agravantes, no sentido de que, com a propositura da referida ação, pela agravada, esta já admite o reconhecimento voluntário da paternidade.
Quanto à pretensão da mãe agravante, de ser meeira do "de cujos", igualmente não tem procedência, eis que inexiste nos autos prova da sociedade de fato entre ela e o falecido, com quem se casou apenas no religioso, o que não lhe dá direito, por ora, à meação pretendida.
Realmente, pelos documentos constantes nos autos, há início de prova da existência da sociedade de fato, que deve ser confirmada através de procedimento próprio e, inclusive, com comprovação de que Maria Júlia contribuiu para a formação do patrimônio de Pedro Gomes de Oliveira.
A Juíza "a quo" decidiu com acerto, remetendo as partes para as vias ordinárias, com a suspensão dos autos do inventário, até que se decida em ações próprias sobre a paternidade e a sociedade de fato, nas quais se decidirá sobre as demais alegações recursais" (fls. 134/135).
Os embargos declaratórios foram rejeitados.
Daí o recurso especial em exame lançado com base nas letras a e c do permissivo constitucional, por alegada ofensa aos arts. 458, II e 535, II, do Código de Processo Civil, já que o r. aresto recorrido seria omisso quanto à apreciação do ponto acima indicado e, eventualmente, se superado esse tópico, por agressão ao artigo 357 do Código Civil, bem como pela divergência com os julgados que indica, onde procura demonstrar a violação também ao artigo 984 do Código de Processo Civil.
Impugnado, o recurso foi admitido pela letra c.
Recebendo os autos no dia 1º de fevereiro do corrente ano de 1996, indiquei o feito para pauta no dia 8 de março seguinte.
É o relatório. VOTO
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE INCIDENTALMENTE POR ESCRITURA PÚBLICA. UNIÃO ESTÁVEL. ARTS. 357 DO CÓDIGO CIVIL E 984 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
I Desde que documentalmente comprovados os fatos no curso do inventário, sem necessidade de procurar provas fora do processo e além dos documentos que o instruem, nesse eito é que devem ser dirimidas as questões levantadas, prestigiando-se o princípio da instrumentalidade, desdenhando-se as vias ordinárias.
II Recurso conhecido e parcialmente provido, vencido parcialmente o Relator, que o recebia em maior extensão.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA (Relator): Ao sustentar o despacho agravado, a MMª Juíza assim pontificou:
"Não vislumbro qualquer subsídio para a modificação do despacho agravado, eis que face à inexistência da ocorrência do casamento civil entre Maria Júlia do Carmo Águas e o falecido Pedro Gomes de Oliveira, não pode ela ser considerada meeira, devendo, por conseguinte, pleitear direitos, acaso existentes, na via própria.
No que pertine a Emília Helena Águas de Oliveira, o nome do pai inserido no seu registro civil, não pode produzir efeito, considerando que a declarante foi a própria mãe, a qual não era casada civilmente com aquele que indicou como pai.
Ainda tenho que não pode ser acolhido o argumento de que Pedro Gomes de Oliveira, teria feito o reconhecimento de Emília Helena através da escritura pública de compra e venda, acostada aos autos, uma vez que a expressão "representada pelo pai" não conduz, sem qualquer sombra de dúvida, à vontade de reconhecer mesmo porque caso não constasse tal expressão na escritura antes referida, Emília Helena, que então era menor impúbere, não poderia contratar sem a representação de alguém que afirmasse ser seu representante legal" (fls. 110/111).
Ao julgar a apelação, o Eg. Tribunal confirmou esse decisório.
Todavia, ainda que rejeitando os embargos, no v. acórdão a eles referentes restou dito que "a questão do reconhecimento da paternidade, por escritura pública, é matéria a ser examinada e decidida em procedimento próprio, conforme fizemos constar no acórdão embargado, ao nos referirmos que nas ações próprias sobre a paternidade e a sociedade de fato se decidirá sobre as demais alegações recursais" (fl. 146).
Vê-se, assim, que o v. aresto recorrido, ainda que sem mencionar os artigos em que o recurso teve fincas, pela letra a do permissor constitucional, foi com base nele que remeteu as partes para as vias ordinárias. Ao mesmo tempo, teve por insuficientes a escritura e a certidão do registro para credenciar Emília Helena, como filha, e Maria Júlia, como meeira de Pedro Gomes.
Destarte, afasto qualquer ofensa aos arts. 458, II e 535, II, do Código de Processo Civil.
Observarei, na seqüência, se houve ou não afronta ao artigo 984 do Código de Processo Civil, bem como ao artigo 357 do Código Civil, pois o deslinde do recurso, no que seja atinente a Emília Helena, só poderá decorrer da aferição conjunta das normas contidas nesses dois dispositivos, que estão assim editados:
"Art. 984. O Juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas".
"Art. 357. O reconhecimento voluntário do filho ilegítimo pode fazer-se ou no próprio termo de nascimento, ou mediante escritura pública, ou por testamento".
Ora, para se decidir se é ou não de alta indagação a pretensão posta contra Emília Helena, ter-se-á, inevitavelmente, de se decidir se a escritura de compra e venda em que ela figura "como outorgada compradora da nua propriedade... representada por seu pai Sr. Pedro Gomes de Oliveira que juntamente com sua mulher Maria Júlia do Carmo Aguiar..." (fls. 160/160v.) é ou não bastante para que ela seja tida como filha reconhecida de Pedro Gomes.
Saliente-se que a recorrida se insurgiu contra a condição de herdeira de Emília Helena apenas porque esta não seria filha biológica de Pedro Gomes, nunca tendo apontado nenhum vício que pudesse macular a feitura de referida escritura.
Com efeito, na visão da recorrida, da decisão agravada de instrumento e do despacho com que a MMª Juíza sustenta a decisão agravada, e que foi mantida pelo Eg. Tribunal "a quo", de nada valeria referida escritura pública de compra e venda como prova de reconhecimento da paternidade, sem se falar da nenhuma importância que teriam o registro do nascimento e os demais documentos mencionados no relatório.
No que tange ao registro de nascimento (fl. 67), é certo que a mãe de Emília Helena é quem apareceu como declarante.
Todavia, como bem exposto no recurso, não é apenas por isso (nem sequer é mesmo por isso) que ela se diz filha de Pedro Gomes, já que esse registro é simples efeito e não a causado reconhecimento que decorrera da escritura pública, já que a lei admite o reconhecimento por escritura pública não impondo que esse instrumento esteja consubstanciado em um ato público especial, sendo bastante a declaração da paternidade de modo incidente ou acessório, em qualquer ato notarial, sem reclamar palavras sacramentais.
O jurista João Mangabeira, em parecer publicado na Revista Forense, vol. 137/37-46, observa que "não é preciso escritura especial para o reconhecimento de filho ilegítimo".
Em laboriosa pesquisa, traz à colação lições dos mais consagrados civilistas a amparar a sua assertiva, conforme os seguintes preciosos trechos, que recolho: "Na vigência da Lei n. 463, de 2 de setembro de 1847... Teixeira de Freitas assim discorre à p. 175 da Consolidação:
"O que prova a filiação paterna de um filho natural não é o assento de batismo ou o registro de nascimento, como acontece com os filhos legítimos: é o ato do reconhecimento do pai ou conste de escritura pública ou conste de livro de registro civil".
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Lafayette, o outro dos dois maiores civilistas do Império, ao editar o seu "Direito de Família", ainda sob a vigência da Lei de 1847, não tem outro parecer.
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Carlos de Carvalho, um dos nossos mais famosos civilistas, dizia em 1899, na sua "Nova Consolidação das Leis Civis", artigo 129, letra "a": "Filhos reconhecidos são os ilegítimos dos quais o pai espontânea, expressa e autenticamente declara-se tal:
a) em escritura pública de notas, ainda que essa declaração seja incidente ou acessória".
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E sob o regime do Código, Soriano de Sousa Neto, num ensaio notável sobre "O Reconhecimento dos Filhos Ilegítimos", publicado no vol. 80/47 da Revista de Direito, se expressa desse modo: "Não é essencial que a escritura tenha sido lavrada especialmente para o reconhecimento. Basta a declaração de paternidade ou de maternidade nela inserida seja incidente ou acessória".
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Carvalho Santos ("Código Civil Interpretado", vol. 5º/429430) também opina nos termos seguintes:
"De fato, o que a lei exige é que o reconhecimento seja feito por uma escritura pública e, se essa condição se verifica, se nela se depara a manifestação escrita e inequívoca da vontade de reconhecer, pouco importa para a lei que tal escritura não seja especial de reconhecimento. O que o Código julga essencial se verifica na hipótese em debate: o reconhecimento por escritura pública. Não há, portanto, razão para se sustentar que o reconhecimento não valerá se a escritura não for especial ou não tiver por objeto direto e principal aquele reconhecimento...".
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Ferreira Coelho no mesmo sentido se exprime, no seu "Código Civil", vol. 20/73:
"Não é necessário que a escritura pública seja lavrada para o fim especial do reconhecimento. Mesmo declarada a paternidade, incidente, ou acessoriamente, em qualquer escritura, o reconhecimento fica realizado para todos os efeitos legais. Já era assim antes do Código Civil".
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Carlos Maximiliano, em "Sucessões" n. 200, vol. 1º, também nos ensina: "Entretanto, se não exige que a escritura haja sido direta e principalmente para confessar a paternidade, pode ter outro objetivo".
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A unanimidade dos grandes juristas brasileiros opina, portanto, que o reconhecimento pode ser feito em qualquer escritura pública, embora não destinada especialmente a esse fim.
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Nem de forma contrária jamais opinaram os grandes mestres europeus. Baudry-Lacantinerie assim se manifesta: "Se o reconhecimento não deve ser feito em termos sacramentais, não pode todavia resultar senão de uma declaração que não deixe dúvida sobre a vontade do seu autor. Por outro lado, o reconhecimento pode ser feito incidentemente em ato autêntico tendo um outro objeto, por exemplo, uma ação entre vivos, pouco importando que neste caso o reconhecimento seja feito em termos simplesmente enunciativos, se eles supõem necessariamente a vontade do reconhecimento do filho" ("Precis de Droit Civil", vol. 1º/ 898).
Planiol e Ripert dizem o que se segue:
"Não é mesmo necessário que o ato do notário que contenha o reconhecimento tenha sido lavrado especialmente para esse fim" ("Tratado de Direito Civil", n. 1.473). É o que também afirma Huc ("Comentários ao Código Civil", vol. 3º/37): "O reconhecimento pode ser feito em ato autêntico que tenha outro objeto principal; por exemplo, um testamento, uma doação, sem que se deva distinguir se ele é formulado em termos dispositivos ou enunciativos"!
Demolombe, no vol. 5º, n. 409, do seu "Cours de Cod. de Napoleón", deste modo se pronuncia:
"409 Não é mesmo necessário que o reconhecimento se faça num ato especialmente a ele destinado; pode ser consignado em qualquer ato cujo fim principal seja outro, como de celebração de casamento, testamento, enfim, qualquer ato autêntico seja seu objeto qual for".
Na Itália, não pensam de outro modo os seus juristas. Opina Bunina ("Del Diritto delle Persone", vol. 2º/44):
"Embora o ato público tenha objeto diverso do reconhecimento, se dele contiver a substância valerá como reconhecimento".
Na mesma esteira vai Pacifici-Mazzoni ("Instituições de Direito Civil Italiano", vol. 7º/13):
"Quanto ao ato autêntico não se exige que tenha por objeto especial e principal o reconhecimento".
Em Portugal não expressam de outra maneira os seus grandes civilistas.
Dias Ferreira ("Código Civil") assim comenta o artigo 24: "Mas pela jurisprudência do foro não é indispensável ato público expressamente feito para o reconhecimento ou com o fim principal de reconhecimento".
Mais explícito, ainda, é o maior civilista português, Cunha Gonçalves, quando, no seu "Tratado de Direito Civil", vol. II/280281, assim discorre:
"Estamos afirmando que a perfiliação pode-se realizar em qualquer documento autêntico ou ato público, convém saber que não é preciso que o reconhecimento do filho seja o objeto exclusivo e direito de tal documento; mas ainda que pode ele figurar incidentemente num documento autêntico, tendo outro objeto principal, por exemplo, num contrato ante-nupcial, numa doação, numa autorização para casamento, numa transação, numa procuração pública, em suma, em qualquer ato notarial".
Mas, se a doutrina dos grandes mestres é a que acima foi exposta, se ela resulta do próprio texto da lei, a jurisprudência no mesmo sentido se firmou. Na Europa, é ver a farta série de julgados referidos por Aubry e Rau, Planiol ou Demolombe, em seguida aos passos acima transcritos".
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Da mesma forma Aubry e Rau, no vol. 9º/245:
"Não é mesmo necessário que a cláusula da qual se pretende fazer resultar o reconhecimento seja concebida em termos dispositivos: "termos simples enunciativos provam suficientemente o reconhecimento, quando ele se revela de maneira não equívoca. Assim, a cláusula de um legado em favor de um indivíduo que o testador qualifica de seu filho natural constitui um reconhecimento suficiente". E, em apoio do que asseveram, Aubry e Rau citam uma vasta série de julgados.
É o que também afirma Huc ("Comentários ao Código Civil", vol. 3º/37):
"O reconhecimento pode ser feito em ato autêntico que tenha outro objeto principal; por exemplo, um testamento, uma doação sem que se deva distinguir se ele é formulado em termos dispositivos ou enunciativos".
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Savatier, o mais moderno dos grandes civilistas franceses, no 1º volume do seu "Curso de Direito Civil", p. 202, 2ª ed. nos diz:
"O reconhecimento pode-se fazer também perante o notário e em particular por testamento feito por ele. Seu valor é distinto do testamento e subsiste mesmo se este é anulado. O reconhecimento pode também resultar de declarações escapadas num interrogatório, ou numa tentativa de reconciliação perante o Juiz de paz ou no curso de um inquérito, porque os termos desses atos são atos autênticos" (Req. 13 de julho de 1886, D. 87-I 119).
Savatier, indo além de Planiol, sustenta que o reconhecimento implícito pode resultar de "declarações escapadas num interrogatório judicial, numa tentativa de reconciliação ou num inquérito"".
Após essas exaustivas transcrições doutrinárias, preleciona o mestre baiano:
"É que o reconhecimento é exclusivamente uma declaração. É a atestação de uma verdade. E a verdade é irretratável. Toda a evolução jurídica, no sentido da humanização do direito, se faz em benefício do filho ilegítimo. É que o reconhecimento não é negócio jurídico, e portanto não é um ato de vontade; é uma declaração da verdade, e por isso mesmo um ato de ciência. O que a declarante atesta, com vontade, sem vontade, ou contra a vontade, é o fato desse conhecimento. Se uma pessoa, por vontade, sem vontade, ou contra a vontade, declara em ato autêntico que alguém é seu filho, este adquire desde logo, por lei, certos direitos que esta lhe confere.
Se a declaração não se eiva de nenhum vício que a anule, como atestação de uma verdade, nada perderá de sua força se o declarante afirmar que só a fizera para não mentir, quando interrogado, e que jamais espontaneamente isso faria.
É que o reconhecimento não cria filiação. É apenas o meio de prova de um ato anteriormente desconhecido no direito. É a revelação da verdade até então encoberta. A própria palavra "reconhecimento" não pode ter outro sentido. O reconhecimento não poderá ser jamais, no fundo, e principalmente, um fato de vontade. Será sempre, psicológica ou legalmente, e sobretudo e antes de tudo um ato de ciência, isto é, a atestação de um fato que o declarante conhecia. Uma pessoa pode, com vontade, sem vontade, ou contra a vontade, conhecer um fato. E se assim pode conhecer um fato, assim pode reconhecê-lo. Tudo está em atestá-lo. "Todos os filhos são naturais", dizia Clemenceau, na Câmara francesa. A declaração de Pedro, de que Amélia é sua filha, atesta apenas uma verdade legalmente ignorada, e torna conhecido o pai incógnito. Tal declaração não cria direito. Não é um negócio jurídico. É a lei que em virtude desse fato confere ao reconhecido certos direitos e sob as condições por ela fixadas.
: Há pouco mais de um ano, em fins de 1947, Dabin publicava um ensaio precioso sobre "A Natureza Jurídica do Reconhecimento de Filho Natural no Código de Napoleão", eo professor da Universidade de Louvain juntava às outras a sua grande autoridade, reafirmando:
"O reconhecimento de filho natural não cria laço nem efeitos de filiação. Eles são criados pela vontade da lei, que os deduz da filiação que existe de fato e de que o reconhecimento é apenas a "condição que lhes dá realidade". A realização dos feitos da filiação supõe que, previamente, esta seja provada de maneira prescrita em lei, istoé, por meio de um reconhecimento juridicamente válido no fundo e na forma.
O reconhecimento de filho natural, ato declarativo, produz o efeito jurídico correspondente à sua natureza, a saber, um efeito de prova.
Assim, o reconhecimento não cria nem a filiação nem seus efeitos, cria pelo menos no sentido forte do termo a prova da filiação: antes dele legalmente desconhecida e depois legalmente provada".
A seguir, arremata:
"Toda a evolução jurídica é no sentido de facilitar o reconhecimento".
Os doutrinadores mais modernos entoam no mesmo diapasão.
Com a sua didática habitual, Washington de Barros Monteiro ("in" "Curso de Direito Civil", Ed. Saraiva, 26ª ed., 1988, p. 251), preleciona:
"Cumpre esclarecer mais que o reconhecimento por escritura não depende de ato público especial para esse fim, bastando que a paternidade seja declarada de modo incidente ou acessório em qualquer ato notarial".
Marco Aurélio S. Vianna ("in" "Curso de Direito Civil", Ed. Del Rey, 1ª ed., 1993, p. 168) é do mesmo sentir, como se dessume do seguinte texto:
"É possível o reconhecimento por escritura pública, lavrada por tabelião competente, em suas notas, com observância das formalidades legais. É irretratável desde o lançamento da assinatura do declarante e das testemunhas. Não é mister que a declaração seja objeto específico do instrumento, podendo-se fazer de modo incidente ou acessório, em qualquer ato notarial, mas de forma explícita e inequívoca. É bastante que se faça perante pessoa que tenha fé pública, pelo que vale a declaração constante de termo judicial".
José Lopes de Oliveira ("in" "Direito de Família", Ed. Sugestões Literárias S/A., 3ª ed., 1980, pp. 333/334), tem o mesmo pensar:
ca.
"O reconhecimento também pode ser feito em escritura públi-
Não é, todavia, necessário, para a sua validade, que seja lavrada com o fim especial do reconhecimento do filho, bastando que a paternidade seja declarada de modo incidente ou acessório, em qualquer escritura pública."Não é preciso" adverte Cunha Conçalves, "que o reconhecimento seja a parte dispositiva do ato, pode ser até em termos enunciativos; por exemplo, em França, foi julgado que uma doadora, chamando sua neta à donatária e mencionando a mãe desta, evidentemente quis reconhecer esta como filha, embora não lhe desse esta designação".
Não se exige que o reconhecimento seja o objeto principal da escritura. Basta que nela se contenha a vontade inequívoca de reconhecer da parte do progenitor".
Maria Helena Diniz ("in" "Curso de Direito Civil Brasileiro", vol. 5º/243, Ed. Saraiva, 1982, p. 243) expõe o mesmo entendimento:
"... Por escritura pública, que não precisará ter especificamente esse fim, pois o reconhecimento pode dar-se numa escritura pública de compra e venda; portanto a paternidade seja declarada de modo incidente ou acessório em qualquer ato notarial, assinado pelo declarante e pelas testemunhas; não se exigindo nenhum ato público especial (RT 301:255; RF 136:150; AJ 97:145)".
Tenho, assim, que o artigo 357 do Código Civil não está a exigir escritura pública de reconhecimento da paternidade, mas, apenas, que a paternidadeseja reconhecida por pública escritura.
Sei que a clareza da redação desse dispositivo dispensaria demonstrar a proposição acima feita, mas correu-me o dever de deduzi-la, trazendo à baila a unanimidade da doutrina nacional e estrangeira, de outros e dos presentes tempos, o que faço com escusas pela superabundância.
Com efeito, na hipótese "sub examinen" o falecido Pedro Gomes além de ter declarado expressamente que representava a sua filha Emília Helena naquele ato, ainda dou-lhe o bem então adquirido.
Verifica-se, às sobejas, ser existente o reconhecimento pretendido.
Destarte, dou por violado o artigo 357 do Código Civil, no que tange à recorrente Emília Helena Águas de Oliveira.
Voltando ao parecer tantas vezes citado, ao responder a consulta que lhe fora formulada, se o caso que lhe fora exposto que se ajusta em afinada harmonia ao que ora se cogita - constituiria questão de alta indagação, assim responde o apreciado parecerista:
"Não se trata na espécie de nenhuma questão de alta indagação, que o Juiz do inventário não possa resolver. Ao contrário: trata-se de um caso em que ao Juiz do inventário cabe, por texto expresso da lei, decidir. O artigo 466 do Código de Processo Civil (anterior) é peremptório:
"O Juiz poderá decidir no inventário de quaisquer questões de direito e de fato fundadas em prova documental inequívoca, remetendo para vias ordinárias as que exijam maior indagação".
Ora, no caso, trata-se de uma questão de direito "fundada em prova documental inequívoca" uma escritura pública. Cabe somente decidir se a escritura pública de promessa de compra e venda, que acompanha a consulta, contém o reconhecimento de D. Amélia como filha de Pedro. Verificar apenas se na escritura Pedro declara Amélia "sua filha".
Não é pois, nenhuma questão de alta indagação.
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No caso, trata-se de uma questão de direito fundada em escritura pública. Os outros elementos de prova, embora supérfluos, são documentos públicos e privados corroborantes daquele. Toda matéria é exclusivamente jurídica: 1º) resolver se o reconhecimento pode ser feito em qualquer escritura pública, ou somente quando esta parcialmente a isso se destinar; 2º) se o reconhecimento pode ser feito por simples termos enunciativos ou deles implicitamente resultar ou se são indispensáveis termos dispositivos e sacramentais; 3º) se na escritura pública em apreço o reconhecimento de Amélia se consumou em face da declaração repetida de Pedro, de que, ela é sua filha.
São, portanto, questões de direito, exclusivamente de direito, fundadas "em prova documental inequívoca" a escritura pública de compra e venda.
Compete, portanto ao Juiz do inventário decidir dessas questões como lhe manda o artigo 466 do Código de Processo. O contrário, o envio da consulente aos meios ordinários, fugindo o Juiz à competência que o Código lhe atribui, seria um ato de pusilanimidade incompatível de todo em todo com a dignidade da função judicial. Porque não se trata, no caso da consulta, de investigar paternidade, mas de reconhecê-la, uma vez que foi declarada em escritura pública, isto é, nos termos e pela forma prescritos em lei".
Constata-se, assim, que, no caso em desate, a condição de herdeira de Emília Helena Águas de Oliveira está bastante e suficiente provada apenas com a escritura pública de compra e venda já tantas vezes referenciada, a não mais depender da produção de qualquer outra prova, nem sendo questão a demandar alta indagação. Com efeito, quanto à Emília Helena tenho como ofendida também a norma contida no artigo 984 do Código de Processo Civil.
Aprecio, a partir de agora, o recurso no que seja pertinente à postulação de Maria Júlia do Carmo Águas.
A recorrida insurgiu-se contra a postulação de meeira formulada por Maria Júlia pela só e só alegação de que esta recorrente não teria sido civilmente casada com Pedro Gomes. No entanto, o só e só argumento de Maria Júlia não ter sido civilmente casada com Pedro Gomes não é o bastante para infirmar a sua condição de sua meeira.
Aliás, nem é mesmo por isso que ela busca o reconhecimento desse "status", pois que este resultaria da sociedade de fato, mais que isso, da união estável, na linguagem atual, cuja existência procura demonstrar com a farta documentação acostada e muitas vezes referi-da, de que a certidão do casamento eclesiástico é apenas uma peça.
No entanto, nem só e só por ter tido convivência "more uxorio" com Pedro Gomes, seria Maria Júlia, "ipso facto", meeira da totalidade de seus bens, pois necessário comprovar-se que o patrimônio cogitado fosse decorrente do esforço comum do casal, na constância da convivência que a documentação apregoa.
Mas até mesmo o momento de aquisição de cada bem, poderá ser comprovado sem maiores delongas pelos documentos que necessariamente já foram e que poderão ser levados ao inventário.
Ademais, o caso tem uma particularidade que impressiona e que torna inteiramente despicienda a remessa dessa discussão para os meios ordinários.
É que a própria herdeira universal de Pedro Gomes, que é a sua filha Emília Helena, portanto a única que seria prejudicada se à sua mãe tocasse, por meação, parcela superior à que fosse correta, já declarou, por escritura pública de declaração (fl. 126 dos autos apensos), dentre outras coisas, "que concorda que sua mãe, Sra. Maria Júlia do Carmo Águas, seja considerada meeira dos autos do arrolamento dos bens deixados por seu pai... fazendo questão de dividir com a mesma o patrimônio que ela, sua mãe, tanto fez e faz para conservar e guardar".
Destaco, assim, uma vez mais, que tudo o que for necessário para aferir o que deverá caber a Maria Júlia já se encontra no processo e não foi questionado pela recorrida, que apenas procurou afastá-la repita-se pela só e só afirmação de Maria Júlia não ter sido casada civilmente com Pedro Gomes.
Destarte, ao Juiz do inventário caberá apenas juntar os mosaicos que já lhe foram entregues em forma de documento público, para criar o mural que lhe possibilitará decidir, nos autos do inventário, o que tocará a Maria Júlia.
Não há, desse modo, também quanto ao pretendido por Maria Júlia, nenhuma questão de alta indagação a ser dirimida pelos meios ordinários, tudo convergindo para que se decida no próprio Juízo do inventário, sobretudo se o Magistrado se deixar tocar pelo sopro estimulante dos princípios da celeridade e da instrumentalidade cuja adoção é reclamada pela processualista moderna, que já não mais consagra a forma pela forma, senão reduzindo-a ao limite mínimo para que se encontre a verdade debatida e se assegure a preservação do seu conteúdo. Diante de tais pressupostos, conheço do recurso, por ambas as alíneas do permissor constitucional para:
a) com relação a Emília Helena, dar integral provimento ao apelo para reconhecer-se as condições de filha e herdeira de Pedro Gomes;
b) com relação a Maria Júlia, dar parcial provimento ao recurso para o fim de determinar que o Juízo de primeiro grau decida, nos próprios autos do inventário, sobre a sua condição de companheira, inclusive, se for o caso, fixando a parte que lhe deve tocar.
Todavia, fiquei vencido parcialmente no referente ao tratado na letra a, "supra", em razão do que a Eg. Quarta Turma decidiu, no atinente à recorrente Emília Helena, prover parcialmente o recurso para o fim de determinar que as suas condições de filha reconhecida e de herdeira sejam aferidas no próprio processo de inventário, pelo Juízo de primeiro grau, para onde deve ser remetido o presente feito.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR:
Sr. Presidente, estou de acordo com o eminente Relator no seu extenso e brilhante voto; seja quanto ao reconhecimento do efeito da declaração feita perante o Oficial Público de paternidade, de que isso não constitui uma questão de alta indagação a ensejar a remessa das partes às vias ordinárias no inventário, e, também, de que a decisão sobre a meação da companheira pode ser enfrentada, de acordo com as circunstâncias, nos autos do inventário. Acrescento, com relação à situação da companheira, que lei recente a incluiu no rol dos herdeiros do companheiro, de tal modo que o exame da sua situação no inventário dos bens deve ser cada vez mais facilitada em razão do próprio desenvolvimento do sistema jurídico, a começar pela Constituição de 1988.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Sr. Presidente, no que tange àqueles primeiros dispositivos do Código de Processo Civil, relativos à falta de fundamentação da decisão, S. Exa., o Sr. Ministro Relator considerou como não afrontados pelo acórdão; acompanho-o inteiramente. No que toca ao artigo 357 do Código Civil, não o reconheço violado, por uma razão singela: ele está revogado pelo artigo 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente e não haveria de a decisão afrontar dispositivo de lei revogada. E, ainda mais, disse S. Exa. que houve uma alusão ao artigo 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente. É por isso que, nesse aspecto, não acolho o recurso.
Todavia, no que tange ao artigo 984, tenho-o realmente por afrontado, visto que a matéria de direito e de fato, posta à apreciação dos Juízes, não ofereceria nenhuma dificuldade na sua solução. No que se refere ao reconhecimento da paternidade, ainda que se entenda por violado ou revogado, como entendo, o artigo 357 do Código Civil, devendo, a partir de 1990, o intérprete voltar a sua atenção para o artigo 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a todas as luzes, a todas as evidências, aquela escritura pública, ainda que de compra e venda, traz em seu bojo o reconhecimento de paternidade. Isso seria uma matéria sem maiores dificuldades a ser apreciada pelo Juiz.
No que diz com a situação da mãe da filha reconhecida, parece-me, salvo engano, que ela já é condômina do único bem. Ela era compradora. Naquele bem, em cuja escritura se fez o reconhecimento, ela já era meeira, condômina. Informa S. Exa. que há no acervo hereditário outros bens, merecendo exame a situação da companheira. É certo e lembrou o Sr. Ministro RUY ROSADO que recente lei colocou a companheira de alguma forma na moldura da vocação hereditária. Mas, no caso concreto, há um pormenor que cobra atenção, qual seja, de que aquele casal que compunha a união estável, um deles tem filho e, pela lei de 1994, a companheira sobrevivente teria o usufruto de uma determinada quota-parte do patrimônio. Não seria necessariamente herdeira. Então, há de se apreciar o aspecto relativo a essa sociedade de fato que, a meu sentir, não deve ser visto à luz do direito contratual, mas, hoje, essa sociedade há de ser examinada à luz do Direito de Família, e o Direito de Família novo, iluminado pelo Texto Constitucional, não mais buscando aquela participação pecuniária.
Levi Strauss, fazendo um estudo de Antropologia, considerou a família uma cooperativa de produção. Há alguma coisa bem maior do que uma cooperativa de produção numa união estável, sobretudo quando, no nosso País, a Constituição só ergueu ao patamar nobre essa união estável. Mas, de qualquer sorte, isso é matéria a ser examinada pelo Juiz de causa.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA
(Relator): Vossa Excelência afirmou, se entendi bem, que um dos companheiros tinha um outro filho?
O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Não. O falecido.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA (Relator): Mas o falecido só tinha uma filha, que é Emília Helena, ora recorrente, que também era filha de Maria Júlia, a outra recorrente, que era companheira de Pedro Gomes
O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: A situação ainda permanece, porque diminui, se não me engano, ou aumenta apenas um pouco, aquela quota-parte do usufruto, que ela teria quanto aos bens. Estou falando na situação como herdeira. Quanto à sociedade de fato, digo que não se deve vê-la, hoje, como uma cooperativa de produção, mas uma união de esforços, de convivência. Essa sociedade de fato não pode sair mais mensurada em termos contábeis, isso é muito material. Mas tudo isso, repito, há de ser solucionado pelo Juiz da causa, sob pena de supressão de uma instância ordinária. Por isso, é que, conquanto, acompanhando o raciocínio de V. Exa., a conclusão do meu voto é igual à do Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, que é retornar para que o Juiz decida e que seja feliz, decidindo com todos esses considerandos.
ESCLARECIMENTOS
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA
(Relator): Ministro FONTES DE ALENCAR, se percebi bem, Vossa Excelência, então, entende, que o processo deve retornar ao Juízo de primeiro grau para que decida, nos próprios autos de inventário, tanto se Emília Helena é filha quanto se Maria Júlia é companheira.
O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Sim. Matéria que tem que apreciar.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA
(Relator): Na decisão do Tribunal consta (lê):
"A Juíza decidiu com acerto, remetendo as partes para as vias ordinárias, com a suspensão dos autos do inventário, até que se decida em ações próprias sobre a paternidade...". O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Não ficou nada decidido na instância ordinária. Por isso, é que entendo que deva voltar para que o Juiz, nos autos do inventário, decida, já que não há nenhuma complexidade, ainda mais se ele se der ao trabalho de ler as notas taquigráficas.
O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Também tenho por violado o artigo 984, CPC.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA (Relator): Acontece que a MMª Juíza já afirmou que aquela escritura era insuficiente para se ter pelo reconhecimento da filiação de Emília Helena como filha do falecido Pedro Gomes. Por isso, que mandou as partes para as vias ordinárias.
O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Dissemos aqui que o Juiz tem que apreciar à luz daqueles documentos, que não precisa de outros, mas não podemos fazer o raciocínio de que ele disse que aqueles documentos não provam. Se afirmarmos que os documentos provam, será reexame.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA (Relator): Esclareço que a MMª Juíza de primeiro grau já disse que dos documentos acostados não resultam, respectivamente, as condições de meeira e de herdeira de Maria Júlia e de Emília Helena, pois, ao sustentar o despacho agravado, assim pontificou:
"Não vislumbro qualquer subsídio para a modificação do despacho agravado, eis que face à inexistência da ocorrência do casamento civil entre Maria Júlia do Carmo Águas e o falecido Pedro Gomes de Oliveira, não pode ela ser considerada meeira, devendo, por conseguinte, pleitear direitos, acaso existentes, na via própria. No que pertine à Emília Helena Águas de Oliveira, o nome do pai inserido no seu registro civil, não pode produzir efeito, considerando que a declarante foi a própria mãe, a qual não era casada civilmente com aquele que indicou como pai.
Ainda tenho que não pode ser acolhido o argumento de que Pedro Gomes de Oliveira, teria feito o reconhecimento de Emília Helena através da escritura pública de compra e venda, acostada aos autos, uma vez que a expressão representada pelo pai não conduz, sem qualquer sombra de dúvida, à vontade de reconhecer, mesmo porque caso não constasse tal expressão na escritura antes referida, Emília Helena, que então era menor impúbere, não poderia contratar sem a representação de alguém que afirmasse ser seu representante legal" (fls. 110/111).
Reverter essa constatação não é, "data venia", reexaminar a prova, mas apenas dar melhor qualificação jurídica aos fatos da causa, isto é, aplicar a lei na sua real expressão.
Se afirmarmos que a documentação presente nos autos do inventário já é bastante para não remeter as partes aos meios ordinários, estaremos, automaticamente, constatando que essa mesma documentação já será bastante para que Emília Helena seja tida como herdeira.
O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Aparte): Não é bastante.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA (Relator): "Data venia", se dissermos que a documentação é bastante para que se decida, logo no inventário, sobre a filiação de Emília Helena, estaremos dizendo tudo para elucidarmos, também, a questão referente à sua condição de herdeira. Não faltará dizer nada.
No momento em que tivermos a escritura cogitada como documento suficiente para configurar a situação de filha do "de cujus", estaremos dizendo que Emília Helena é sua herdeira.
Vossa Excelência entende que o Juiz, ao examinar a documentação acostada, poderá dizer que Emília Helena não é filha de Pedro Gomes, depois de esta Corte definir que não há necessidade de remeter as partes às vias ordinárias?
O EXMO. SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR
(Aparte): Estamos dizendo que documento dessa natureza serve para o reconhecimento da filiação. Quem vai ter que examiná-lo é o Juiz da causa, o que ele ainda não fez, porque disse que não havia prova suficiente. Estamos dizendo que esse documento pode fazer prova suficiente. Agora o exame do documento será feito pelo Juiz. Com relação à filha, fica-se realmente numa zona cinzenta; mas, com relação à mulher, fica bem claro que é uma questão...
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA
(Relator): Com relação à Maria Júlia, concordo com as colocações de Vossa Excelência. Já no atinente à Emília Helena, ouso "data venia" discordar. É que a recorrida não apontou, sequer alegou, sobre a existência de que a escritura de compra e venda pudesse conter vício. A recorrida apenas argumentou que Emília Helena não seria filha biológica de Pedro Gomes, por isso que não poderia ser sua herdeira.
A argumentação da recorrida está toda concentrada na afirmação de que o registro do nascimento de Emília Helena foi feito pela própria mãe, por isso mesmo que não valeria para atestar a paternidade de Pedro Gomes.
No entanto, observo que o registro é mera conseqüência do reconhecimento, não a sua causa.
No que diz respeito à mãe, concordo com Vossa Excelência. Mas, com relação à filha, "data venia" de Vossas Excelências, o Juiz processante não terá outro caminho senão o de declarar Emília Helena como filha de Pedro Gomes.
É que a questão já está posta. As partes não podem mais inovar. A recorrida não vai poder dizer que a escritura da qual resultou o reconhecimento estaria viciado, que teria havido coação, que seria falso, que seria ausente de testemunhos etc. O que lhe cabia contestar, já contestou.
Ademais, a Juíza processante já deu a escritura como instrumento insuficiente para se ter Emília Helena como filha de Pedro Gomes, por isso mesmo que remeteu as partes para as vias ordinárias. Nada obstante isso, estamos agora determinando que ela decida sobre a filiação de Emília Helena, nos autos do inventário. "Data venia", não é bastante. Temos que avançar na decisão, para reconhecer, desde logo, Emília Helena como filha de Pedro Gomes.
Fiz questão de repassar a Vossa Excelência a posição da doutrina, nativa e estrangeira, de ontem e de hoje, sobre o tema. Não há uma só voz discordante.
Com o mais sincero pedido de desculpas pela minha persistência, que rogo não seja entendida como teimosia, mantenho o meu entendimento. Não vislumbro nenhuma ofensa ao princípio do duplo grau, se decidirmos logo pelo reconhecimento de Emília Helena como filha de Pedro Gomes, até porque a MMª Juíza de primeiro já decidiu em contrário.
Destarte, quanto à Maria Júlia, reformo a decisão recorrida para determinar que a sua pretensão de ser meeira seja decidida nos próprios autos do inventário, dando, assim, ao que ela postula parcial acolhimento.
Quanto à Emília Helena, declaro-a logo filha e herdeira de Pedro Gomes, passando a já participar do inventário como tal. Por isso mesmo que atendo integralmente o seu pleito.
ESCLARECIMENTOS
O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Antes de colher os demais votos, observo que o Ministro Relator já está dando pela legitimidade tanto da mãe como da filha.
Diversa, no entanto, é a conclusão do Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, de menor extensão.
O EXMO. SR. MINISTRO CÉSAR ASFOR ROCHA
(Relator): Se V. Exa. me permite, Sr. Presidente, faço um esclarecimento.
Uma coisa está intimamente vinculada a outra. Se decidirmos aqui que o documento público a escritura de compra e venda com doação, em que consta o reconhecimento é bastante para se ter Emília Helena como filha do"de cujus", já a teremos como herdeira. Se ela é herdeira e herdeira universal, por ser o único descendente e como ela própria reconhece que a sua mãe é meeira, não há mais como infirmar essa condição, pois só quem poderia impugnar seria a filha.
O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Aparte): Na condição de Presidente da Turma, tinha que fazer a observação, porque vejo que não há uma perfeita identidade, pelo menos até aqui não houve, entre os dois votos.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Com as minhas homenagens ao Ministro Relator, que excelentemente fundamentou o seu voto, vou rogar vênia a S. Exa. para acompanhar os Ministros RUY ROSADO DE AGUIAR e FONTES DE ALENCAR. E o faço pela conclusão de seus votos.
Tenho que restou vulnerado o artigo 984 do Código de Processo Civil, uma vez que não estamos em face de questão que estivesse a exigir a remessa às vias ordinárias, conforme salientado exaustivamente pelo Relator e também pelo ilustre Advogado que se manifestou da tribuna. Nesse aspecto, como se viu, os votos são unânimes.
No que diz respeito ao artigo 357, não obstante o mesmo esteja revogado por legislação posterior, tenho-me colocado em posição mais liberal ao entender que não se faz necessária a indicação exata do dispositivo quando a tese jurídica está posta em debate na causa.
No caso concreto, não obstante não tenha sido feita referência expressa ao artigo 26 do "Estatuto da Criança e do Adolescente", a tese jurídica foi suficientemente debatida, inclusive neste julgamento. A eventual omissão ao dispositivo legal e a referência a um dispositivo revogado e substituído por outro, para mim, não são empecilhos à apreciação da tese, até porque, no caso, não de forma explícita mas "en passant", segundo informou o Ministro Relator, o artigo 26 do Estatuto chegou a ser trazido à colação como reforço de argumentação, na pressuposição de que o artigo 357 ainda estivesse em vigor.
Destarte, entendo que também aqui a legislação civil infraconstitucional foi violada.
Peço vênia ao Ministro Relator, no entanto, para discordar do seu voto quanto à conclusão, por entender não ser possível, nesta oportunidade, suprimir-se um grau de jurisdição, na medida que a este Tribunal cabe apenas a fixação da tese jurídica, que, no caso, é exatamente fixar o reconhecimento incidental em escritura de compra e venda de imóvel, suficiente para o reconhecimento da paternidade.
Fixada a tese, caberá às instâncias ordinárias examinar o documento trazido pela parte para decidir quanto à sua validade ou não em face da tese.
Com estas breves considerações, e renovando vênia ao Ministro Relator, dou provimento ao recurso em menor extensão, acompanhando os Ministros RUY ROSADO DE AGUIAR e FONTES DE ALENCAR em suas conclusões.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, rogo vênia ao Eminente Ministro Relator, a despeito do brilhante voto proferido por S. Exa., para também conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial em menor extensão, uma vez que, apesar dos termos com que se manifestou a Juíza, penso que é caso de retorno dos autos ao Juízo de origem para que decida ambas as questões, inclusive como V. Exa. salientou, sob pena de supressão de uma instância.
EXTRATO DA MINUTA
REsp n. 57.505 MG (94.0037011-3) Relator: Exmo. Sr. Ministro César Asfor Rocha. Recorrentes: Emília Helena Águas de Oliveira e outro. Recorrida: Maria Aparecida Gomes de Oliveira. Advogados: Drs. Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outros e Sebastião Rocha de Medeiros e outros.
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento, vencido em parte o Exmo. Sr. Ministro Relator, que lhe dava parcial provimento em maior extensão (em 19.03.96 4ª Turma).
Os Exmos. Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro acompanharam o voto do Exmo. Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA.