Ser ou não ser, eis a resposta

A enorme variedade de abordagens sobre a Educação Física dificulta o estabelecimento dos seus objetivos. E nisso entra a descoberta daquela identidade de que tanto carece. Baseadas em diversos interesses - nacionalistas, políticos, pessoais - várias denominações são (e foram) adotadas: educação do movimento, educação pelo movimento, educação do corpo, cultura do físico e esporte, para citar algumas. Acreditamos que qualquer outra nomenclatura tenderá a restringir o campo de atuação da Educação Física. Entre todas essas denominações, esporte é a que mais compete com a tradicional expressão Educação Física. 0 fascínio esportivo que tomou conta das últimas gerações criou fronteiras entre o esporte e a Educação Física, é sintomática a existência de revistas, Secretarias, Escolas de Educação Física e Desportos. O esporte deixa de ser uma preocupação da Educação Física, desliga-se e, até mesmo, opõe-se a ela. Corre-se o risco de o

esporte passar a ser um assunto exclusivamente técnico, deixando de receber um tratamento acadêmico. Essa dicotomia Educação Física/Esporte transforma o último num fim em si mesmo. E para a realização dos seus objetivos, todos os recursos são válidos, é momento de se pensar em devolver à Educação Física a abrangência do seu significado original.

A característica essencial da Educação Física é o movimento. É movimento. Não há Educação Física sem o movimento humano, e isto a distingue das demais disciplinas. Os seus elementos são a ginástica, o jogo, o esporte e a dança. A simples prática dessas atividades não caracteriza a existência de Educação Física. 0 significado do verbo ser, para os objetivos deste livro, constitui preocupação básica. O que procuramos é a verdadeira natureza da Educação Física. A sua essência. Aquilo que realmente ela é. Enquanto processo individual, a Educação Física desenvolve potencialidades humanas. Enquanto fenômeno social, ajuda este homem a estabelecer relações com o grupo a que pertence.

A colocação dos cursos de Educação Física nos Centros e Institutos de Saúde subverteu os seus objetivos. Educação Física é Educação. Deve ser incluída, portanto, nos Centros de Ciências Humanas e Sociais das Universidades a que pertencem. É uma ciência que deve conhecer as divisas entre o adestramento e a educação. É a ciência que lida com pessoas, e não com objetos. A formal inserção nos citados Centros, porém, não transformará os alunos de Educação Física em futuros educadores. Essa mudança tem de refletir uma tomada de consciência. A reflexão emanada das disciplinas de inspiração humanista orientará a procura de uma adequada postura pedagógica.

A Educação Física, enquanto Educação, não deve reproduzir modelos da superestrutura. A Educação Física escolar tem sido a maior vítima dessa reprodução: uma neurótica luta contra segundos e a favor dos centímetros. Tudo dentro de uma apurada técnica. Com muita disciplina e na mais perfeita ordem. O rendimento físico e atlético é, sem dúvida, uma preocupação da Educação Física. Mas não aquele desempenho apoiado num referencial externo, induzindo todos a chegarem no mesmo lugar, ao mesmo tempo e seguindo o mesmo caminho. Este é o rendimento máximo, baseado em tabelas e parâmetros que não respeitam individualidades, retificando o aluno. A Educação Física, enquanto educação, não procura o rendimento máximo, e sim o ótimo. Aquele que ajude o indivíduo a encontrar o seu melhor aproveitamento.

A tarefa educacional não se resume ao mero exercício de ensinar. Ensinar é um meio, não um fim. "Para que" ensinar está refletido nos objetivos a serem alcançados. "0 que" ensinar sintetiza as necessidades dos alunos. "Como" ensinar implica fazer corresponder a ação à intenção pedagógica. Educação não é sinônimo de polidez, quietude, disciplina, obediência, nem mesmo ilustração. Educação também não é sinônimo de aprendizagem, quando despida de valores abonados pelo grupo social. Educação Física é Educação, na medida em que reconhece o homem como o arquiteto de si

mesmo e da construção de uma sociedade melhor e mais humana. Onde não será necessário "levar vantagem em tudo".

Chegamos ao final e, com ele, a certeza de que o assunto não se esgotaria numa obra. Nem em mil. Não tivemos a pretensão de responder questões que merecem uma constante revisão crítica. Identificamos a fronteira ideológica entre o "abrir" e "fazer" cabeças. 0 humanismo que a Educação Física está a exigir precisa do diálogo, do debate, do confronto de idéias. Enfim, uma atitude dialética em relação aos seus problemas, é animador, entretanto, termos a satisfação e a esperança de que, nessa longa caminhada, tenhamos dado os primeiros passos.

|