Antes de tudo, a terra
A Idade Média tem início com a divisão do Império Romano (395) por Teodósio I - o mesmo que, dois anos antes, abolira os Jogos Olímpicos - ou, para outros, com a queda do citado Império no seu lado ocidental (476). A época medieval teve duração milenária, somente terminando com a queda da capital oriental (1453). Nesses idos vemos a Igreja como a única instituição que resistiu e, mais ainda, fortificou-se após as invasões bárbaras. Afogado em crenças e dogmas religiosos, surge um homem que só era encorajado à
conquista da vida celestial. O total descaso pelas coisas materiais estabelecia um absoluto divórcio entre o físico e o intelectual. Como se num agravo a Juvenal, só convinha a saúde da alma, onde o "nada para o corpo" era um princípio que suprimia a Educação Física do horizonte cultural desse momento histórico.
Podemos analisar a época medieval submetendo-a didaticamente a uma divisão em dois períodos. O primeiro deles (Alta Idade Média) vai até o século X e foi marcado por um grande obscurantismo cultural, fruto da decadência romana e das invasões dos povos bárbaros. O segundo (Baixa Idade Média) começa no século XI e estende-se até o décimo quinto século da era cristã. Este último período não justifica o rótulo de "idade das trevas" com que muitos indiscriminadamente observam a idade medieval. A partir do século XI aparecem grandes personalidades como Roger Bacon, Dante Alighieri e São Tomás de Aquino. Este foi o mais influente dos pensadores de um tipo de vida intelectual (Escolástica) que predominou entre os séculos XI e XV. O movimento escolástico muito contribuiu para a criação das Universidades no século XIII e, juntamente com elas, preludiou o Renascimento.
Para que se possa entender a cultura medieval - inclusive as suas restrições no âmbito pedagógico - é necessário considerar o feudalismo, um sistema político-social-econômico gestado no século IX, germe do capitalismo. O regime feudal dava o direito de governar a quem possuísse terras que, por sua vez, geravam "empregos" denominados feudos. Escravizados à terra, fonte de toda a riqueza, os servos eram os únicos que trabalhavam na sociedade feudal, produzindo para as classes dominantes de então (o clero e a nobreza). Foi um período em que pouco se fez para o ser humano, enquanto pessoa. Oprimidos e explorados, os servos representavam muito pouco para os seus senhores, haja vista que um camponês, muitas vezes, tinha menos valor do que um cavalo.
Vem da época medieval, com o monopólio educacional exercido pela Igreja, o tradicional conceito de educação como disciplina. Os castigos corporais e o magister dixit são subprodutos de um autoritarismo que impede uma efetiva ação pedagógica. A Educação Física, apesar de não merecer um destaque especial, recebeu uma atenção cuidadosa na preparação dos cavaleiros. A Cavalaria era uma instituição militar destinada a uma minoria, quase sempre aristocrática, visando o fiel cumprimento de proteção aos proprietários de terra. Os cavaleiros recebiam um treinamento onde o xadrez era a única prática intelectual, havendo muitos deles que não sabiam ler nem escrever. Eram muito hábeis na equitação, caça, esgrima, lança e arco e flecha. Os torneios e as justas representam a culminância dos exercícios físicos dos cavaleiros medievais e serviam, nos tempos de paz, como preparação para a guerra. O homem medieval, que havia abominado os espetáculos do circo e do anfiteatro, assistia agora àqueles combates simulados, cujos desfechos - pelo menos nos seus primórdios - eram quase sempre trágicos.
Ainda que a pedagogia oficial não concedesse estímulos à prática esportiva, esta, apesar de timidamente, atingiu até mesmo as classes menos favorecidas. Quando falamos sobre esporte não podemos deixar de fazer uma referência especial à Inglaterra, que desde essa época destaca-se como o núcleo de uma mentalidade verdadeiramente esportiva no mundo ocidental. Ao contrário dos gregos - que consagraram um lugar de honra ao atletismo -, o esporte medieval preferiu as atividades coletivas. Aqui, os jogos com bola exerceram maior atração. Dentre eles encontramos o soule, um violento esporte jogado com as mãos e pés e que foi o ancestral do futebol e do rugby. Na Itália encontramos o seu correspondente, lá denominado calcio. O jogo da malha era uma variação do soule e era desenvolvido com um bastão, aparecendo metamorfoseado no atual hockey. Havia, ainda, concorrendo em popularidade com o soule, a palma ou frontão, que em sua evolução veio desembocar no tênis. O outro esporte individual que se propagou significativamente foi a luta. Encontramos, ainda, a existência de centenas de jogos infantis praticados nos feudos - apesar da falta do incentivo oficial -, denotando a irresistível vocação lúdica do ser humano.