CAPÍTULO UM: DE HIGGINS AO "JOGGING"‌

"Os exercícios devem ser executados por todos os discípulos ao mesmo tempo e do mesmo modo. A marcação do rythmo começará logo depois de dado o commando executivo: 1, 2, 3, 4, 1, 2, 3, 4. .. Terminada uma lição de gymnastica, o professor não mandará debandar antes de executar a formatura inicial (fileira). A quebra da disciplina acarretará a quebra da força moral".

Não fosse pela ortografia, denotando uma época remota, talvez acreditássemos estar diante de um moderno tratado de metodologia sobre ginástica. Arthur Higgins foi um dos mais importantes professores de Educação Física do então Distrito Federal, no começo do século. As recomendações citadas datam de 1911 e manifestam uma atualidade incontestável para o momento em que foram escritas.

Mas o tempo não pára. Setenta anos foram suficientes para que a Educação Física saísse de um quase empirismo pedagógico e passasse a merecer algum destaque no sistema mais amplo da Educação. Na Europa, em fins do século XIX, foi introduzida nas escolas em função dos benefícios que o exercício físico pode trazer para a saúde. Mas será o professor de Educação Física uma espécie de médico? Ou um auxiliar do médico? Qual o perfil que a sociedade traça desse profissional e o que dele espera? A evidente identificação com a Medicina foi o que, sem dúvida, deu status à profissão mas, lamentavelmente, afastou-a da sua verdadeira missão.

O terreno escolar talvez tenha sido o mais fértil para inadequações. Aí, o professor de Educação Física assumiu o papel de educador do físico, deixando de atender às necessidades do homem total. A ginástica passou a ser um verdadeiro castigo e a boa aula é a que exaure o aluno. Além disso, o profissional que atua nesta área ficou historicamente identificado com hábitos militares, passando a ser o responsável pelo treinamento de ordem unida para desfiles e comemorações cívicas. Tornou-se um "disciplinador", antes de mais nada. Estes procedimentos refletem-se por toda a vida das pessoas, que passam a detestar a atividade física. Já adultos, voltam a praticar exercícios físicos apenas "a conselho médico". Isto é Educação Física?

Apesar de tudo, hoje podemos afirmar que as pessoas estão redescobrindo o valor dos exercícios. As calçadas e as ruas tornaram-se palco de um desfile cujos figurantes aumentam dia a dia. Mas de onde vêm os estímulos que levam a este renascimento ginástico? Seria das escolas e academias, que estariam levando a um processo definitivo de conscientização acerca da importância da Educação Física? Ou seria das indústrias de material esportivo, que se sofisticam cada vez mais? Ou ainda das novelas de televisão a divulgar um esporte que não é para todos?

A corrida talvez seja um exemplo ilustrativo do furor ginástico que tomou conta da parcela da população capaz de atender a estes apelos. Muito divulgada pela grande imprensa do início dos anos setenta, após a vitória do

futebol brasileiro no México, transformou-se, para muitos, em verdadeira religião. Estes, seguindo matematicamente as tabelas que os levariam a uma formidável condição atlética, não observam o mais importante: o seu rendimento interno. Correm sem se dar conta que existem limites de rendimento cardíaco aceitáveis, acima dos quais há perigo. Não aprenderam - claro, ninguém lhes ensinou - que aquela bombinha, que os mantém vivos, pode também matá-los. Será isto a verdadeira Educação Física?

Mas a ciência que trata do movimento não contém apenas a chamada ginástica entre os seus elementos. O esporte incluiu-se entre as suas responsabilidades. Dignificado pelos gregos, deformado pelos romanos, esquecido na época medieval, foi ressuscitado por Coubertin para, atualmente, transformar-se em objeto de propaganda política. O homem - matéria-prima para o desempenho esportivo - converte-se em instrumento a serviço dos detentores do poder. A especialização prematura e a prática exarcebada dos esportes tendem a sacrificar os mais fracos em nome de uma elitização esportiva ideologicamente justificada. Esvazia-se, desta forma, a utopia humanista que considera o esporte capaz de colaborar para uma sociedade melhor e um homem mais humano.

O presente ensaio pretende discutir os caminhos - e os descaminhos

- da Educação Física e tentar abrir espaço para possíveis alternativas de uma verdadeira crise de identidade pela qual está passando. Da forma como se apresenta, pode a Educação Física encerrar valores realmente significativos para os fins a que se destina? O que é mais importante: A técnica ou a pessoa? Modelar ou formar? A disciplina ou a participação? Domesticar ou educar?

Afinal, o que é Educação Física?

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Afinal, o que é Educação Física?

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